Uma deriva totalitária e um país à deriva


Isto é o governo que temos e, surpreendentemente, o Ministério Público aceita! Louva-se não obstante que alguém tente vencer o obscuro silêncio e lamenta-se que não seja o governo


Há qualquer coisa que não bate certo nesta questão do número das vítimas dos incêndios de Pedrógão Grande e que pode bem não ser só a contagem final.

A sequência de toda uma cadeia de acontecimentos em que se destaca a vilegiatura do PM enquanto a tragédia alastra, logo seguida do focus group, a dispersão descendente de responsabilidades pela cadeia de comando até à sua (para já) diluição absoluta, e o processo que culmina com a centralização da comunicação numa fonte única, num processo de alegada racionalização decretado pela tal “orientação imperativa”, deixa-nos um sentimento de inquietude sobre o clima geral que não augura nada de bom.

Poderia ser, por exemplo, da ideia absolutamente peregrina de que o governo não tem nenhuma responsabilidade no apuramento dos números finais das vítimas da referida tragédia, ou que de alguma forma – porque mais ou menos alinhado com as orientações retiradas do focus group – não é permitido ao MAI saber quantas vítimas directas ou indirectas os fogos fizeram.

Pior que isso será admitir – mas já estamos por tudo – que neste momento, efectivamente, e porventura por falha do SIRESP, várias semanas passadas, ainda ninguém tenha dado à tutela essa informação.

É a desresponsabilização pela governação em estado puro.

Não será, já que falamos de coisas que não batem certo, de desmerecer o recurso absolutamente rocambolesco à ideia de que deve ser o Ministério Público a entidade, que entretanto erigiram numa espécie de guardiã da informação – porventura sujeito também a uma qualquer orientação imperativa –, que deva gerir, como se fosse uma agência do mesmo, a comunicação do governo, comunicando, ou não, números conforme o entendimento que tenha a cada momento da utilidade de manter, ou de prescindir, do segredo de justiça.

Isto é o governo que temos e, surpreendentemente, o MP aceita! Louva-se não obstante que alguém tente vencer o obscuro silêncio e lamenta-se que não seja o governo.

Talvez pior que isto só a ideia que se propaga na surdina de que o respeito pelos caídos – porventura já classificados em segredo como vítimas de primeira e de segunda, a confirmar-se aquilo que parece querer muito esconder-se, e que é que, infelizmente, o que já era trágico pode ser ainda pior – serviria de alguma forma como base do argumentário que impõe um silêncio generalizado e, sobretudo, respeitoso, servil e conformado que nada questiona e que se submete sem ruído ao pensamento único destes dias.

Este vento do estio cheira perigosa e pestilentamente a totalitarismo(s)…

Mas o que descrevemos até aqui é só o governo e o PM a serem iguais a si próprios. Não é bonito, não é sensato, não é leal nem verdadeiro, menos ainda dignificante, mas também não surpreende – é coerente com o seu percurso.

Assim, o que aqui realmente não bate certo não é o facto de se governar tendo os focus groups e medidas de popularidade como os únicos números que interessam ao governo no rumo dos dias, é antes, num quadro destes, o estranho silêncio a que Marcelo (afectuoso pai da nação) se havia votado e em que, em bom rigor, se mantém…

 

Advogado na norma8advogados

pf@norma8.pt

Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990