“Afinal, descobrimos que ele é humano”, admirou-se Stéphane Caristan, antigo campeão da Europa dos 110 metros barreiras ao “L’Équipe”.
Ele é Usain Bolt.
O homem que voa como um deus, Mercúrio negro com asas nos pés.
Ele, o tal que afinal é humano, já decidiu a data do seu fim. No próximo mês de agosto, nos Campeonatos do Mundo de Atletismo, em Londres.
Recentemente, no Mónaco, Bolt baixou pela primeira vez esta época dos 10 segundos aos 100 metros: 9’95’’.
Parece ter deixado para trás as preocupações das corridas anteriores: Kingston (10’03’’) e Ostrava (10’06’’).
O homem pode, afinal, ser tão humano como qualquer um de nós, mas é bastante mais do que humano nas pistas. Há tempos que não ficam bem a alguém assim tão pouco humano, ao fim e ao cabo.
Usain Bolt só perdeu uma corrida de 100 metros em campeonatos do mundo: na Coreia do Sul, em 2011, devido a uma falsa partida.
Nele, nada é falso, como sabemos.
E nomes erguem-se à sua volta como montanhas de picos mais íngremes do que o Matterhorn: Isiah Young, Akani Simbine, CJ Ujah, Christopher Belcher.
“Bolta está em perigo!”, gritava, alarmada, a imprensa inglesa.
O perigo de Bolt é não ganhar.
Na hora do adeus, como não ser primeiro, não trazer ao peito o ouro autêntico e repetitivo?
Esse Bolt de ouro terá perdido o brilho?, perguntam-se por sua vez, um pouco por todo o mundo, os que não aceitam vê-lo sair de Londres de cabeça baixa, pela porta do cavalo.
Outros descansam-se sobre os louros até agora conquistados. O jamaicano não perdeu a sua partida fulminante, explosiva, incontrolável.
Ah! Mas parece ter perdido potência entre os 20 e os 40 metros, uma sensação de menor à-vontade, de uma liberdade presa na sua passada de chita nas savanas do Serengueti. Será? Será mesmo?
Quantas vidas terá Bolt, o homem que quis um dia jogar no Manchester United?
“Quero acabar correndo por prazer”, diz ele.
“Quero continuar a ser o centro das atenções”, revela.
“Vou estar pronto, completamente pronto, para os bater a todos na última das minhas corridas”, assevera.
E, em seguida, um discurso que toca na alma de todos os que o têm como ídolo: “É uma sensação estranha, difícil. Entro em cada pista a pensar que vai ser a última vez que corro, que vou à procura da minha medalha. Não falta muito, não falta nada para me sentar nas bancadas e ver correr os outros. Mas é isto. É simplesmente isto! Comovo-me. Não tenham dúvidas: fico comovido, profundamente comovido de cada vez que penso nisto. Queria não mostrar o que sinto. Queria, pela vez derradeira, juntar-me ao público que me apoia e disparar para a última de todas as minhas vitórias. Como no filme ‘Casablanca’, gostava que ainda houvesse para mim Paris. Para mim, que nunca corri em Paris. Não tenho Paris. Nunca vou ter Paris. Tenho-me a mim próprio. E uma vontade, impossível de contrariar, de sair campeão, com o ouro ao peito, a última de todas as voltas de honra sob palmas, sob o agradecimento do público que esteve sempre a meu lado. Eu sei como sonho o meu adeus!”
Adeus
Agosto vai marcar a despedida de Usain Bolt das grandes competições. Sairá pela porta dos vencedores? Ah! Quem duvida disso, mesmo que ele perca? Ou melhor: mesmo que não ganhe.
“Quero ser eu! Quero ser eu! Quero ser sempre eu! Não as minhas estatísticas, as minhas vitórias consecutivas, os meus recordes. Não! Nada disso! Quero só correr o melhor que for possível no momento em que correr for a coisa mais importante. Quero sonhar com a minha partida, à qual mais nenhum poderá responder. Quero sair na frente e acabar na frente e tudo se resumir a isso. Depois, sim, depois vou erguer os braços e continuar a ser eu. Mesmo que nunca mais corra…”
O homem dos grandes momentos!
O homem dos triunfos sem igual!
Usain Bolt: Usain St. Leo Bolt.
Trelawny, 21 de agosto de 1986. Um adeus em agosto…
O poema de Bolt. Mercúrio negro!
Vamos vê-lo em Londres, não tarda.
E saia: Bolt! Que nunca ninguém retire do seu nome o ponto de exclamação! Vamos vê-lo pela última de todas as vezes e não me digam que isso não vos provoca um tremor pela espinha de nunca mais haver nada igual.
Ouro é o seu nome do meio.
Ele que entre em Londres envolvido no aplauso que talvez nenhum como ele mereça.
E saia: Bolt! Que nunca ninguém retire do seu nome o ponto de exclamação!