O surfista
É vê-lo a caminho da praia com a prancha debaixo do braço e a cara toda pintada com protector solar factor 450 em tons de azul o que me faz duvidar se vai mesmo surfar ou ingressar no exército do William Wallace antes da batalha de Stirling contra os ingleses. O surfista quer curtir a cena “roots” e anda quase sempre descalço por isso ele não tem solas dos pés, tem um casco de Hobbit depois de ter ido a penantes do Shire a Mordor e voltado, o que até é positivo porque sempre que precisar de lixar uma porta ou um armário de cozinha posso sempre recorrer ao meu amigo surfista para me dar uma mão (neste caso um pé) na bricolage cá de casa. Não importa muito a habilidade em cima de uma prancha, o que importa realmente é o cenário que se monta até se entrar na água. Vestir o fato até à cintura, encolher a barriga, tirar uma foto para o Instagram com o polegar e o dedo mindinho esticados a fazer o “tá-se bem, sou buéda cool!”, terminar de vestir o fato, untar a cara com a pintura de guerra (azul não se esqueçam, que é a que está na moda). Agarrar na prancha, tirar outra foto para o Instagram, ir para dentro de água, ficar dentro de água uns bons quinze minutos a levar com espuma nos queixos, sair de dentro de água, tirar foto para o Instagram, despir o fato até à cintura, dar um retoque na pintura das bochechas e nariz, nova foto e pronto está o surf feito, agora é hora de ir beber imperiais até tombar para o lado.
O fundista do areal.
Esta malta tem bicho carpinteiro. Assim que pisa o areal não consegue ficar parado mais do que 3 segundos de seguida. Está um gajo ali sossegadito esparramado ao sol a ver o material bélico que vai passando pelas vistas e de repente passa uma horda de gente a correr desalmadamente na zona onde a areia toca o mar. O fundista do areal viu demasiados episódios da série Marés Vivas quando era um imberbe adolescente e isso fez com que ficasse com o síndrome de Mitch Buchannon para o resto da vida. Sonha acordado com a C.J.Parker (A Pamela Anderson com tudo a dar a dar sob um fato de banho vermelho, estão recordados?) apareça um dia, a correr em câmara lenta na direcção contrária mas enquanto isso não acontece vai correndo até que se lhe venham os bofes à boca. A horizontalidade na praia é para os fracos de espírito e de corpo. Nunca o verão deitado numa toalha, nunca o verão a procrastinar o corpo quando ainda há tanta areia para pisar. Porque um dia, um dia, a Pamela irá mesmo aparecer e ele poderá finalmente soltar o Borat que está escondido por debaixo da encadernação de fundista do areal.
O maconheiro.
Desculpem-me o português do Brasil mas aprecio bastante esta palavra. Soa-me a um misto de malandro com carpinteiro, ou algo do género, enfim, acho bonita. Adiante. O maconheiro, ao contrário do fundista do areal, não mexe rigorosamente uma palha. Chega a praia, estende a toalha, muiiiiito devagar, senta-se aiiiinda mais devagar, olha para o horizonte, saca de uma mortalha, um filtro e umas quantas ervas de fumar e vai daí e faz um canhão capaz de atordoar os neurónios do Bob Marley por um período de quinze dias. Mete o dito canhão por entre os lábios, acende o canhão, inala o canhão, fecha os olhos e………………………passado o que pareceu muiiiiiiitoooooo tempo…….quando….na verdade….só passaram para aí 2 minutos…. Volta a abrir os olhos…….muitoooo devagarinho…………..e olha para o horizonte……….a ouvir o mar……. e os passarinhos…….e as gaivotas……e…..começa a dar uma fome……..daquelas……de comer bolas de Berlim…..e churros….com batatas fritas…….e Nutella……à colherada…ou à pazada…..e tudo…. o que…aparecer…pela frente. O maconheiro anda em matilha, ali todos sentadinhos na praia, muito quietinhos, a olhar para o horizonte, com a boca muiiiitoooo seca e com uma larica dos diabos. No fundo o maconheiro vai para a praia fazer aquilo que faz no seu quotidiano, com a diferença que está só de calções e não tem o frigorífico à mão para o socorrer quando aquela fome do Biafra apertar dentro da ervanária a que ele chama de corpo. Ao contrário do fundista do areal, o maconheiro não precisa de correr para encontrar a Pamela Anderson, basta inspirar a magia e fechar os olhos que ela vem logo a saltitar de encontro à sua pessoa faminta. Enfim, são escolhas.
João Pedro Santos
Escritor e humorista