Polónia. Presidente refreia sonho do governo de controlar os tribunais

Polónia. Presidente refreia sonho do governo de controlar os tribunais


Andrzej Duda anunciou que vai vetar diplomas da reforma judicial que permitiria ao executivo nacionalista polaco nomear e demitir juízes


Quando há umas semanas um jornalista instou o ministro da Justiça polaco a justificar a transferência dos poderes de nomeação e afastamento dos juízes, de um órgão independente para o parlamento e para o governo, Zbigniew Ziobro explicou que a ideia era “introduzir nos tribunais o oxigénio da democracia”. Ora foi precisamente esse metafórico gás essencial à existência humana que travou parte da controversa reforma judicial do Partido Lei e Justiça (PiS), na derradeira etapa do processo legislativo. Andrezj Duda, presidente da Polónia e ex-militante daquele partido nacionalista e ultraconservador, anunciou que vai exercer o direito de veto que a Constituição polaca atribui ao detentor do cargo que ocupa e, com isso, devolver ao parlamento dois dos diplomas da reforma, contrariando assim a grande maioria das casas de apostas.

“As leis não iriam fortalecer o sentido de justiça na nossa sociedade. São necessárias reformas, mas estas não devem gerar confrontos na sociedade, nem divisões no país”, justificou esta segunda-feira o chefe de Estado num discurso televisivo, atalhando ter consultado políticos, advogados, filósofos e sociólogos antes de tomar a decisão.

A aprovação das propostas de lei no Sejm [a câmara baixa do parlamento polaco] e no Senado originaram diversos protestos em Varsóvia e levaram mesmo a Comissão Europeia a sugerir acionar-se o artigo 7º do Tratado de Lisboa que, em última instância, pode resultar na imposição de sanções e na suspensão dos direitos de voto de um Estado-membro da União Europeia, em casos de violação dos princípios fundamentais – como o princípio da separação de poderes, que o governo polaco agora quer “reinterpretar” – da organização comunitária.

Uma das propostas de lei que Duda vetou iria oferecer ao parlamento polaco – dominado pela maioria absoluta do PiS – o poder de escolher 22 dos 25 membros do Conselho Nacional Judicial, o órgão responsável pela nomeação e promoção de juízes. A outra possibilitava o afastamento imediato dos juízes que compõem atualmente o Supremo Tribunal da Polónia e a nomeação, por parte do governo, de novos magistrados.

O PiS defende que as medidas se destinam a pôr fim à “tribunalocracia” e à “corrupção” de uma classe que, dizem, apenas serve “os interesses das elites”, ao passo que Plataforma Cívica e o Moderno, dois partidos da oposição, acusam os nacionalistas de tentativa de “golpe” a todas as formas de exercício de poder na Polónia.

Neste sentido, e apesar de esta ter sido a primeira vez que Andrzej Duda bateu o pé ao ex-primeiro-ministro e atual líder do Pis, Jaroslaw Kazcynski – o homem que comanda verdadeiramente o governo e a maioria parlamentar – muitos olham para estes vetos com algum ceticismo e esperam agora para ver se haverá lugar a emendas à legislação e, havendo, o que fará com elas o presidente.

Até porque o próprio aparentemente deu luz verde ao terceiro diploma da reforma, igualmente polémico. Segundo aquele, o ministro da Justiça terá competências para nomear e afastar os juízes que presidem aos tribunais regionais e de recurso do país.

O histórico Lech Walesa, antigo presidente e rosto cimeiro da Polónia democrática, elogiou a decisão “difícil e corajosa” de Duda, mas apelou aos polacos para permanecerem nas ruas, em protesto, para forçar o chefe de Estado a vetar esta terceira proposta de lei.

Em cima da mesa está ainda a possibilidade de o PiS poder ultrapassar o veto do presidente. Para isso necessita de uma maioria de três quintos no Sejm, o que significa que terá de convencer o pequeno Kukiz’15 a juntar-se à causa.