Portugal mergulhou numa espiral de situações que, se não fossem tristes e lamentáveis, eram do domínio da anedota.
Exonera, reconduz. Em ato quase contínuo com o furto de armas dos paióis de Tancos, em que não foram assumidas responsabilidades políticas, a hierarquia militar exonerou cinco responsáveis de topo, no que foi entendido por todos como nota de culpa pelo ocorrido, pois não foram suspensos de funções, foram exonerados. Agora, a mesma hierarquia militar acaba de reconduzir os cinco comandantes do Exército exonerados após o assalto em Tancos, enquanto se colocou em marcha uma narrativa para desvalorizar o furto das armas e materiais explosivos.
Porque não te calas As circunstâncias são exigentes. As opções políticas na área da proteção civil foram arriscadas ao mexer na estrutura, desmoralizar o dispositivo e revelar-se incapaz de responder à realidade. À realidade passada, do mais grave acontecimento com incêndios florestais da história da democracia portuguesa, e à realidade presente, das ignições que vão acontecendo sem que o ataque inicial seja eficaz com os meios disponíveis. O sentimento de impotência e insegurança evidencia-se nas imagens dos combates transmitidas pelos órgãos de comunicação social, mas não se resolvem com leis da rolha que impõem o silêncio aos comandantes dos bombeiros nos teatros de operações. Aliás, é miserável o ambiente de medo e desnorte que perpassa no funcionamento da Autoridade Nacional de Proteção Civil, como se a melhor forma de lidar com alguma insegurança das competências ou das opções pudesse ser alguma metodologia própria das ditaduras. Não estão a ser aproveitadas todas as competências dos melhores, o governo não está a ter capacidade de reação e os cidadãos começam a ter um lamentável sentimento de desproteção.
Minar o idolatrado parlamento O parlamento foi pai e mãe da atual solução governativa. O progenitor deveria ser protegido de lamentáveis ataques que são perpetrados por alguns deputados. Num momento em que são anunciadas enormes mexidas no panorama nacional da comunicação social com a compra da Media Capital pela Altice, faz algum sentido que o parlamento volte a adiar a eleição dos novos membros da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, cujo mandato terminou a 9 de novembro de 2016? Há 8 meses! Num contexto em que as questões da segurança e do terrorismo ganham cada vez mais relevância, fazem algum sentido os impasses na nova chefia das secretas e no conselho de fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (CFSIRP)? Depois de meses a “lutar pela sua verdade”, faz algum sentido que faltem dois deputados do PS a uma votação crucial para aprovar o seu relatório da comissão de inquérito sobre a Caixa Geral de Depósitos? O relatório foi chumbado, ninguém assume as responsabilidades por tamanha irresponsabilidade política, ausência de liderança e falta de organização?
O regresso das brigadas moralistas Não sei se, como tantas vezes acontece, é para desviar as atenções de outras ocorrências mas, à falta de substância na aplicação de medidas para continuar a mudar a vida das pessoas e a contribuir para o crescimento da economia portuguesa, a agenda política de alguns direciona-se para o plano dos grandes valores teóricos, da alegada defesa da Constituição, com proclamações inconsequentes, e para uma espécie de regresso das brigadas moralistas. É sempre confrangedor assistir à eclosão inconsequente de uma turba de moralistas do alto do conforto dos corredores de São Bento, de um qualquer gabinete do poder ou da ainda mais inconsequente autoestrada digital das redes sociais. Quem agora surge são os mesmos que permitiram que os realojamentos do Plano de Erradicação de Barracas na Grande Lisboa passassem por construir grandes urbanizações de autênticas barracas em altura, onde foram acantonados moradores de várias proveniências, com vários perfis, sem nenhum esforço prévio ou sustentado de coesão social. São os que se calaram com a construção desses barris de pólvora onde, como no resto da sociedade, existe de tudo, mas em que a desestruturação marca uma presença forte. São os mesmos que se calaram quando os governos PSD/CDS e a gestão autárquica da CDU desmantelaram o Contrato Local de Segurança de Loures, que estava a ter resultados positivos na coesão social, na integração social, na redução da criminalidade e na concretização de tantas das proclamações inconsequentes de princípios que agora enunciam. Para mudar é preciso fazer, criar oportunidades, coisa que nestas questões morais e constitucionais não aconteceu nem com os anteriores governos, nem com a atual maioria. Afinal, a maioria destes cidadãos não são da função pública nem de outras preocupações do poder, estão à margem do sistema. Quantas vezes a fronteira entre a exclusão e a integração está na criação de uma oportunidade que faça a diferença. É assim com muitas das pessoas que vivem nestes bairros estigmatizados, de várias etnias e origens, que não mudam o panorama das suas vidas com proclamações de circunstância inconsequentes.
Confundir a árvore com a floresta O que terá acontecido na esquadra de Alfragide da PSP é inaceitável, mas não pode ser generalizado como padrão da instituição ou da ação das mulheres e dos homens que servem nas forças de segurança. Uma vez mais, a partir do caso concreto, assistiu-se à profusão de bitaiteiros, ao ressurgimento dos tradicionais preconceitos e a tentativas encapotadas de fragilizar o papel fundamental das forças de segurança. Tivesse esta gente de sair das zonas de conforto em que exercitam a verve para viver ou agir nas condições miseráveis em que o têm de fazer as forças de segurança e haveria outro tento na língua e nas intenções de fragilizar o Estado.
Escreve à quinta-feira