No passado dia 14 de julho, no Palácio de Belém, António Mendonça Mendes foi empossado pelo sr. Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, sucedendo ao competentíssimo Fernando Rocha Andrade, vitimado por uma polémica que nunca o deveria ter sido: o famigerado Galpgate, pórtico populista e oco que nos faz perigar a liberdade. Mas lá iremos.
Se a vida política, como a outra em geral, é enriquecida por paradoxos de caricata descrição, atrevo-me, numa primeira consideração, a escrever que Mendes não desejava assumir estas funções por esta razão. Um jurista de nomeada, republicano por convicção e competente por devoção, saberá que o poder discricionário que hoje repousa nas mãos de um magistrado constitui perigosa patologia para o todo da nossa democracia. Da justiça cuja fonte de lei repousa, em parte, nos usos e costumes, resta esperar que não se tome excessivo o uso de expediente e não se faça dele abusivo costume. Ubi non est justitia, ibi non potest esse jus, não é verdade?
A figura da constituição de arguido visa, no ordenamento jurídico português, conferir direitos a todo o cidadão a quem seja imputada a quebra da letra da lei. No juízo da praça, dita pública, o arguido é, todavia, um culpado. Doravante poderá um magistrado, encontrando oportuna ocasião, “depor” um servidor da nação? Esperemos que não.
Por conta da dita remodelação, o primeiro-ministro, narrou a imprensa, delongou-se especialmente num abraço entre Antónios. E fez muito bem. Saberá Costa que Mendes interrompe um percurso profissional notável numa das mais reputadas sociedades de advogados do país, que ajudou a erigir, sacrificando, muito para além da sua folha de vencimentos, a privacidade que certamente prezará e sujeitando-se a um escrutínio cada vez menos saudável e mais devassador.
O ávido komentariado não vacilou, pecando desde logo no preâmbulo: “Irmão de Ana Catarina Mendes assume pasta”, sentenciou. Nesta tão singela formulação suprimem de uma assentada a individualidade, o mérito e a razão.
É que se o irmão de Ana é irmão de Ana, o irmão de Ana é, todavia muito mais do que isso. Especialista em competência, prático e metódico na execução, atrevo-me a postular que apenas será surpreendido quem nunca com ele tenha privado em ambiente de trabalho.
António Mendes inicia funções com menos de 90 dias para a elaboração da Lei Geral do Orçamento do Estado, uma vez mais marcado por diálogos intrincados entre os partidos que sustentam o governo de Costa e com o desafio central de redesenhar os escalões de um tempo novo.
Ao António formulo-lhe públicas e sentidas desculpas por este escrito, cuja exposição a sua discrição certamente repulsará, porém convicto de que a voragem dos dias da indignação apagará tão rapidamente a minha opinião quanto as insinuações referentes a outra coisa que não seja a sua notável competência.
Escrevo-o eu, que até acho que Mendonça Mendes deveria estar no governo, desde logo, no primeiro dia.
Deputado do grupo parlamentar do Partido Socialista