E se o tempo parasse?


E se o tempo parasse e fosses eterno e os teus fossem sempre teus, de verão e nunca de inverno, porque também teriam parado as estações? E se o tempo parasse, como antes querias tanto – para que nunca te morressem, nunca se fossem, nunca crescessem –, serias tu mais livre?


Não te vou pedir que feches os olhos porque quero que continues a ler-me, mas vou pedir-te que imagines. Imagina que este tempo que conheces, este ano, este mês, este dia, parava. Bloqueava. Não andava nem para a frente nem para trás. Ninguém nascia, ninguém envelhecia, ninguém morria. Quem conheces, continuaria cá. Os teus seriam teus para sempre, tu serias deles eternamente. Imagina o tempo parado, sem perdas, sem partidas, sem a dor da separação. Tudo permaneceria igual. Tudo se mantinha. Nada mudava porque o tempo parado não evolui. Os teus sobrinhos continuariam inocentes e giros por serem crianças para sempre, os teus avós já não te falariam de morte, porque a morte já não iria acontecer. Além disso, todas as pessoas mais velhas aprenderiam outras expressões, outros termos, porque as palavras antigas já não teriam sentido: “O tempo anda tão depressa. Estás tão crescido!” Nada disso seria dito. O tempo já não seria um tempo voador. Nada acabava. Tudo permaneceria igual.

Acho que estás a sorrir. Parece-te bom, não parece?

Certamente serias mais confiante. Nada mais terias a temer. Poderias falhar, falhar e falhar porque, vê lá tu, o tempo não te exigiria timings, nem metas, nem sequer propósitos. Terias, literalmente, todo o tempo do mundo para tentar. Fascinante, não é? Não serias corrigido, coagido, desafiado, não terias de ser o primeiro a conseguir porque já não existiria uma única oportunidade para brilhares! Terias todas as vezes para tentar!

Acho que ainda estás a sorrir.

Se já não tinhas medo, nem limitações de tempo, nem pressão para ser o primeiro, serias livre? Serias feliz? Tudo permaneceria igual, nada se perderia. Seria sempre fácil. Para sempre fácil porque mais nada haveria a temer.

Já não seria preciso visitares os teus avós, usufruíres das suas histórias antigas, saudosistas, porque a saudade era outra coisa que deixaria de existir. Saudade de quê? Saudade do tempo estático, imóvel, consciente? Os abraços já não seriam quentes, ofegantes, preciosos, já não se perderiam nas memórias, já não se transformariam em recordações. Porque cada abraço seria repetido… per-pe–tu-a-men-te. Nunca mais receberias um abraço de despedida, daqueles que colam ao corpo e doem mas que também tornam a tua respiração ofegante. Já não sorririas, sozinho, ao lembrares-te dele.

Os beijos também seriam mais calmos, menos aflitos, menos intensos, porque o amor nunca mais se esgotaria – pelo menos em tempo, porque todo o tempo haveria. Mas certamente se esgotaria em vontade, em aperto, em fulgor. Nunca mais seria urgente o amor.

É bom que saibas que passarias a ter o coração com um ritmo fixo, constante, sem surpresa. Poderias discutir, bater com a porta, desaparecer durante anos, porque terias a certeza que quando voltasses a bater na porta da tua infância, os teus pais permaneceriam lá. Nada teria assim tanta importância. Poderias magoar sem culpa, porque algum dia teriam de te perdoar, terias todos os dias da vida para que isso acontecesse. Poderias voltar sempre para casa, nunca destroçado, nunca acabado, nunca apavorado porque os teus nunca deixariam de ser teus. Fizesses tu o que fizesses. Nada teria assim tanta importância. Nada te traria assim tanta ânsia.

Tudo seria fácil, monótono, sossegado. Seria um tempo parado. Nada temerias. E nada evoluiria.

E se o tempo parasse e os relógios avariassem por serem inúteis ou fossem transferidos para aqueles museus de coisas antigas que já não usamos, mas que são tão giras porque antes usámos tanto? E se o tempo parasse e nada mudasse, nada se perdesse e nada se conquistasse?

E se o tempo parasse e fosses eterno e os teus fossem sempre teus, de verão e nunca de inverno, porque também teriam parado as estações? E se o tempo parasse, como antes querias tanto – para que nunca te morressem, nunca se fossem, nunca crescessem –, serias tu mais livre?

E se o tempo parasse e te livrasses da morte, serias tu mais vivo?

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