Magistraturas: reformar ou reinventar os estatutos?


É necessário evitar que as restrições orçamentais se erijam em objetivos estratégicos das reformas. Será sempre mais profícuo partir da definição de objetivos que sirvam os interesses dos cidadãos e depois adequar a sua concretização aos condicionamentos orçamentais


Mais uma vez, a situação na área da justiça parece complicada.

Mais uma vez, quase como se de uma repetição se tratasse, as negociações entre as associações de magistrados e o governo para reformular os estatutos de juízes e procuradores chegaram a um impasse.

Pode parecer estranho que assim aconteça, principalmente para quem olha de fora.

Mesmo para os que integram ambas as magistraturas, a questão não é menos intrigante.

Que os processos de reformas tenham avançado, com o governo anterior e com este, fundados ambos num capital de otimismo que, depois, se foi esgotando de parte a parte, não deixa de causar todas as perplexidades aos cidadãos e aos próprios magistrados.

E, contudo, analisadas bem as coisas, tudo indicava que não poderia ser de outra maneira.

Duas vertentes parecem imediatamente condicionar, de facto, tais processos, por maior boa vontade inicial que as diferentes partes pudessem ter tido desde o início das negociações.

De um lado, na área governamental existem ainda hoje condicionamentos orçamentais no que se refere às questões salariais, que aliás se não resumem àquelas que afetam os magistrados.

De outro, os magistrados começam – como outros setores – a não conseguir por muito mais tempo acondicionar não só os cortes salariais a que foram sujeitos como a falta de perspetivas profissionais que a sua condição atual comporta.

Ambas as condicionantes não são novas – são anteriores aos dois últimos governos – e têm como consequência as enormes dificuldades encontradas na obtenção de soluções negociadas.

Quer isto dizer que, perante elas, se não houver coragem para recomeçar do zero a análise dos problemas que afetam as magistraturas e a inserção destas nas reformas da justiça que, bem ou mal, têm vindo a ser aplicadas em consonância pelos últimos governos, dificilmente se ultrapassará o impasse a que se chegou.

É, com efeito, necessário evitar que as restrições orçamentais definam e se erijam em objetivos estratégicos das reformas.

Será sempre mais profícuo partir da definição de objetivos que sirvam os interesses dos cidadãos e, por isso, mobilizem os magistrados, para depois adequar a sua concretização aos condicionamentos orçamentais realmente existentes.

Para aí chegar, importa olhar sem medo para os modelos de estatutos existentes e procurar saber como – mantendo os princípios constitucionais que os enformam – será possível encontrar soluções novas e mais adequadas às atuais necessidades dos cidadãos e dos magistrados.

Creio não ser muito arriscado dizer que os atuais estatutos, e principalmente os modelos de carreiras das magistraturas, estão esgotados.

Não é mais possível, com simples emendas, dar respostas eficientes não só às exigências cívicas de uma justiça democrática como às justificadas expetativas profissionais que magistraturas compostas por profissionais de qualidade possam alimentar.

 Só uma quase refundação do modelo poderá dar respostas exequíveis.

Uma refundação que olhe, em simultâneo e integradamente, para o conjunto de funções e tarefas que as magistraturas desenvolvem (em especial, o MP), o número de magistrados que é necessário para as desenvolver e que o orçamento pode comportar, um sistema de progressão e integração de carreiras que não só potencie uma especialização real como também atenda às legítimas expetativas socioprofissionais dos magistrados, poderá abrir espaço para um compromisso justo e viável.

Será difícil, mas creio ser a única maneira de vencer o impasse existente.

 

Escreve à terça-feira

 


Magistraturas: reformar ou reinventar os estatutos?


É necessário evitar que as restrições orçamentais se erijam em objetivos estratégicos das reformas. Será sempre mais profícuo partir da definição de objetivos que sirvam os interesses dos cidadãos e depois adequar a sua concretização aos condicionamentos orçamentais


Mais uma vez, a situação na área da justiça parece complicada.

Mais uma vez, quase como se de uma repetição se tratasse, as negociações entre as associações de magistrados e o governo para reformular os estatutos de juízes e procuradores chegaram a um impasse.

Pode parecer estranho que assim aconteça, principalmente para quem olha de fora.

Mesmo para os que integram ambas as magistraturas, a questão não é menos intrigante.

Que os processos de reformas tenham avançado, com o governo anterior e com este, fundados ambos num capital de otimismo que, depois, se foi esgotando de parte a parte, não deixa de causar todas as perplexidades aos cidadãos e aos próprios magistrados.

E, contudo, analisadas bem as coisas, tudo indicava que não poderia ser de outra maneira.

Duas vertentes parecem imediatamente condicionar, de facto, tais processos, por maior boa vontade inicial que as diferentes partes pudessem ter tido desde o início das negociações.

De um lado, na área governamental existem ainda hoje condicionamentos orçamentais no que se refere às questões salariais, que aliás se não resumem àquelas que afetam os magistrados.

De outro, os magistrados começam – como outros setores – a não conseguir por muito mais tempo acondicionar não só os cortes salariais a que foram sujeitos como a falta de perspetivas profissionais que a sua condição atual comporta.

Ambas as condicionantes não são novas – são anteriores aos dois últimos governos – e têm como consequência as enormes dificuldades encontradas na obtenção de soluções negociadas.

Quer isto dizer que, perante elas, se não houver coragem para recomeçar do zero a análise dos problemas que afetam as magistraturas e a inserção destas nas reformas da justiça que, bem ou mal, têm vindo a ser aplicadas em consonância pelos últimos governos, dificilmente se ultrapassará o impasse a que se chegou.

É, com efeito, necessário evitar que as restrições orçamentais definam e se erijam em objetivos estratégicos das reformas.

Será sempre mais profícuo partir da definição de objetivos que sirvam os interesses dos cidadãos e, por isso, mobilizem os magistrados, para depois adequar a sua concretização aos condicionamentos orçamentais realmente existentes.

Para aí chegar, importa olhar sem medo para os modelos de estatutos existentes e procurar saber como – mantendo os princípios constitucionais que os enformam – será possível encontrar soluções novas e mais adequadas às atuais necessidades dos cidadãos e dos magistrados.

Creio não ser muito arriscado dizer que os atuais estatutos, e principalmente os modelos de carreiras das magistraturas, estão esgotados.

Não é mais possível, com simples emendas, dar respostas eficientes não só às exigências cívicas de uma justiça democrática como às justificadas expetativas profissionais que magistraturas compostas por profissionais de qualidade possam alimentar.

 Só uma quase refundação do modelo poderá dar respostas exequíveis.

Uma refundação que olhe, em simultâneo e integradamente, para o conjunto de funções e tarefas que as magistraturas desenvolvem (em especial, o MP), o número de magistrados que é necessário para as desenvolver e que o orçamento pode comportar, um sistema de progressão e integração de carreiras que não só potencie uma especialização real como também atenda às legítimas expetativas socioprofissionais dos magistrados, poderá abrir espaço para um compromisso justo e viável.

Será difícil, mas creio ser a única maneira de vencer o impasse existente.

 

Escreve à terça-feira