Marta Mateus voltou ao lugar onde nasceu para o contar no seu primeiro filme. História que é a história do Alentejo, história das pessoas com quem cresceu, daí que o que escreveu, que parece feito para rimar, lhe tenha vindo quase de memória. Como o relato da quase batalha que ouvimos na parte final de “Farpões, Baldios”, onde entendemos estes farpões, que lhe contou Vitoriana, que não aparece ao lado dos outros mas para quem fez este filme, naquele dia em que, aos dez anos e a caminho da escola, veio uma cobra enrolar-se-lhe numa perna.
“O texto não é para ser um texto poético. Quando escrevi o texto, escrevi a partir daquilo que vivi com aquelas pessoas, porque elas falavam assim comigo”, contava Marta Mateus numa conversa entre realizadores antes da cerimónia de entrega dos prémios, que encerrou a edição dos 25 anos das Curtas Vila do Conde. “A parte final do filme, escrevi quase de cor. A memória, para mim, tem muito a ver com o cinema: aquilo de que nos lembramos não é exatamente aquilo que se passa nas nossas vidas. Mas na minha memória, aquela história foi-me contada por aquelas palavras.” História que fez entrar nesta curta entre o que é ficção e o que é documental, em que o júri encontrou Manoel de Oliveira, António Reis e Margarida Cordeiro e Teresa Villaverde, mas em que se vê Pedro Costa também.
“Farpões Baldios”, que teve a sua estreia internacional na Quinzena dos Realizadores, secção paralela do Festival de Cannes, é o primeiro filme de Marta Mateus e veio a Vila do Conde vencer o Grande Prémio da Competição Internacional. Decisão “unânime” – disse ao i o realizador espanhol Pela del Álamo, membro do júri, composto ainda por Nicole Brenez, Dennis Lim, Georges Schoucair e o português António Preto, programador para a área do cinema do Museu de Serralves – a gerar uma confusão feliz. “Pensava que se tinham enganado, isto não era da internacional?”, perguntou Marta Mateus antes de agradecer a todos os que a ajudaram e “aos que não ajudaram”, que “também contribuíram muito” para este filme que lhe deu um prémio que não sente que seja seu, mas das pessoas com quem cresceu e que pôs aqui. “Fiz o filme para elas, com elas. O filme é delas.”
“É um prémio do qual estamos orgulhosos como júri”, comentou Pela del Álamo, também diretor do CurtoCircuito – Festival Internacional de Cine, de Santiago de Compostela. Em “Farpões, Baldios” não há atores, já se percebeu. E a quem tudo aqui parecer demasiado ensaiado, Marta Mateus diz que não. “Nunca falei com as crianças sobre o que deviam fazer, nunca lhes disse nada sobre o que se estava a passar. Dizia-lhes só ‘vais daqui para ali’, foram eles que fizeram tudo. Não houve sequer um trabalho de ensaios.”
O bom regresso de João Pedro Rodrigues
Ainda na Competição Internacional foram premiados o filme francês “Les Îles”, de Yann Gonzalez (melhor filme de ficção, que já em Cannes tinha sido premiado com a Palma Queer das curtas), “O Peixe”, do brasileiro Jonathas de Andrade (melhor documentário) e o sueco “My Burden”, de Min Börda, na categoria de melhor filme de animação. O nomeado em Vila do Conde para os European Films Awards foi “Los Desherdados”, da espanhola Laura Ferrés.
Na Competição Nacional, o prémio de Melhor Filme foi para “Où En Êtes-Vous, João Pedro Rodrigues?”, que outra vez regressa às curtas com este autorretrato que lhe foi encomendado pelo Centro Pompidou de Paris, a propósito da retrospetiva dedicada a toda a sua obra no final do ano passado, o ano que lhe deu um Leopardo de Prata em Locarno com “O Ornitólogo”. Prémio que vem com a “nova etapa”, que João Pedro Rodrigues espera “mais feliz”, em que entrou com este filme, o primeiro feito com a produtora que criou, a Filmes Fantasma.
Com “Os Humores Artificiais”, que levou à competição das curtas da última edição do Festival de Berlim, de onde saiu também nomeado para os European Films Awards, Gabriel Abrantes venceu o prémio de Melhor Realizador da Competição Nacional. O Melhor Filme da Competição Experimental foi “From Source to Poem”, segunda vitória consecutiva para Rosa Barbas nesta secção, cujo júri decidiu atribuir ainda uma menção honrosa a “Fajr”, filme de 12 minutos que o espanhol Lois Patiño foi rodar ao deserto de Marrocos. Os prémios do público foram, na Competição Internacional, para a curta iraniana “Retouch”, de Kaveh Mazaheri, e, na Competição Nacional, com o patrocínio da Sociedade Portuguesa de Autores, para uma animação de Paulo Patrócio: “Surpresa”.