Como Costa deixou cair a amiga de sempre

Como Costa deixou cair a amiga de sempre


A saída de Margarida Marques, a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, representa um corte de António Costa com uma amiga de sempre. Socialistas surpreendidos com a decisão.


Margarida Marques, a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, é a mais recente vítima daquilo a que alguns socialistas chamam «a frieza» de António Costa. Foi descartada de secretária de Estado dos Assuntos Europeus sem praticamente perceber porquê.

O afastamento de Margarida Marques surpreendeu (e chocou) alguns socialistas que conheciam não só as suas competências nos Assuntos Europeus como também a sua amizade de 30 anos com António Costa. Quando Costa chegou ao poder, foi buscar Margarida Marques (antiga líder da JS que se tinha afastado da política ativa) a Bruxelas e convidou-a a candidatar-se à Assembleia da República como cabeça-de-lista no distrito de Leiria. Margarida Marques é natural do Bombarral e Leiria é um distrito importante – tanto que até o lugar de cabeça-de-lista já tinha sido ocupado pelo próprio Costa.

O que se passou? Ao que o SOL apurou, havia um conflito latente entre Margarida Marques e a chefe de gabinete de António Costa. Rita Faden, a chefe de gabinete de Costa, também é especialista em Assuntos Europeus – foi subdiretora-geral dos Assuntos Europeus no Ministério dos Negócios Estrangeiros entre 2011 e 2013. Quando António Costa chegou ao Ministério da Administração Interna (MAI), Rita Faden já ocupava o cargo de diretora do Gabinete de Assuntos Europeus do MAI. Em 2007, Costa sai do Governo para ser candidato à Câmara de Lisboa e Rita Faden passa a diretora-geral da Direção-Geral da Administração Interna. A autonomia de Margarida Marques face a Costa e o conflito com a sua chefe de gabinete é considerada por vários socialistas como a verdadeira razão da decisão de Costa de afastar uma amiga de toda uma vida.

Margarida Marques não queria sair. Em declarações ao Observador e ao Diário de Notícias afirmou claramente que não abandonava o Governo por sua vontade, que tinha sempre tido uma ótima relação com o ministro dos Negócios Estrangeiros, coisa que Augusto Santos Silva confirmou. Numa declaração enviada à Lusa, o MNE agradeceu «a dedicação e o trabalho dos senhores secretários de Estado que agora abandonam o Governo» e fez questão de frisar que «a relação do ministro dos Negócios Estrangeiros com todos os secretários de Estado foi e é excelente».

Num post público que fez ontem no seu Facebook, Margarida Marques despede-se, fazendo o balanço do seu mandato como secretária de Estado dos Assuntos Europeus.

«Foi um ciclo ao qual me dediquei com enorme empenhamento político e pessoal, porque acredito no papel da União Europeia e acredito no papel ativo e influente de Portugal na União Europeia. Quando assumi o cargo, fui incumbida, como prioridade, de defender Portugal junto das instituições europeias e de recuperar a nossa credibilidade externa», escreve Margarida Marques.

E continua: «Quem me conhece sabe que sempre entendi que a obtenção de resultados na política se faz através do diálogo, da criação de redes, da colaboração permanente entre pessoas e instituições. Para isso, é essencial ter uma rede de contactos e conhecer bem os contextos das instituições. Nesse sentido, os 20 anos em que trabalhei na Comissão Europeia ajudaram-me a obter resultados».

A ex-secretária de Estado afirma que durante 2016 Portugal conseguiu ter iniciativa no quadro da União Europeia «como um Estado-membro entre iguais». «Hoje, Portugal goza de uma imagem mais positiva. E isso traz-nos maior capacidade propositiva na Europa».

Ao Governo que deixou integrar deixa uma mensagem e aponta objetivos: «Temos muitos desafios pela frente e é essencial preservar a voz credível que alcançámos para conseguirmos participar ativamente em dossiês como: Reforma da União Económica e Monetária, Próximo Quadro Plurianual Pós 2020, Política de Coesão, Política Agrícola, Agenda digital, Segurança e Defesa, Desafios da globalização, Política Comercial, Negociações para a saída do Reino Unido da UE, Construção de uma Europa mais social, global e com menos desigualdades…».

A saída de Margarida Marques caiu como uma bomba dentro do PS, conhecido que era o seu perfil profissional e as relações antigas com o primeiro-ministro. Jorge Coelho fez questão de tornar público, na Quadratura do Círculo, o desconforto socialista.

A remodelação, que foi desencadeada pela necessidade de substituir os secretários de Estado que foram constituídos arguidos no caso das viagens ao Euro a convite da Galp, levou Costa a afastar também o secretário de Estado das Florestas e a criar uma nova secretaria de Estado, a da Habitação, que o Governo decidiu agora constituir, conjuntamente com a Floresta, em prioridade.

Para as Florestas, vai Miguel Freitas, um especialista do setor, autor do relatório sobre fogos aprovado no Parlamento por unanimidade na legislatura anterior. Para a Habitação, entra Ana Pinho, arquiteta, que já trabalhou com Costa: foi consultora da Câmara de Lisboa entre 2010 e 2015.