João Pedro Rodrigues está aqui

João Pedro Rodrigues está aqui


Où En Êtes-Vous, João Pedro Rodrigues?, marca esta sexta-feira o regresso do realizador de O Ornitólogo às Curtas de Vila do Conde, na competição nacional.


Assistir a “Parabéns”, filme de 1997 que foi a escolha de JoséVieira Mendes para a secção Carta Branca, programada por 25 personalidades convidadas pelas Curtas de Vila do Conde em comemoração dos 25 anos do festival, foi já um ensaio para o que há de ser esta noite a estreia nacional de “Où En Êtes-Vous, João Pedro Rodrigues?”, regresso do realizador de “O Ornitólogo” à curta-metragem — e com isso à competição nacional das Curtas de Vila do Conde, onde é na noite desta sexta-feira exibido em conjunto com “Das Gavetas Nascem Sons”, de Vítor Hugo, e “Coelho Mau”, de Carlos Conceição.

Estar quinta-feira na plateia daquela sala do Teatro Municipal de Vila do Conde foi por segundos o mesmo que estar em Veneza na estreia de Parabéns, em 1997. Imagens que João Pedro Rodrigues foi recuperar às cassetes em que tem arquivadas filmagens de de tudo desses primeiros anos de carreira para este autorretrato encomendado pelo Centro Pompidou de Paris, por ocasião da retrospetiva integral dedicada à obra realizador português.

Mas não será apenas à estreia internacional do seu primeiro filme que nos leva em “Où En Êtes-Vous, João Pedro Rodrigues?”, que há de mostrar também o regresso a Veneza com “O Fantasma”, em 2000, a preparação de “Morrer Como Um Homem” (2009) ou até as pinturas de João Gabriel que deram o cartaz de "O Ornitólogo", numa cronologia que tem como personagens aqueles que ao longo de 20 anos de carreira estiveram próximos do realizador – até o gato, que nos tinha sido apresentado logo em “Parabéns”.

Depois de “O Ornitólogo”, é com este autorretrato que João Pedro Rodrigues volta, outra vez, às curtas. 2Havia aquela ideia de que quando se começava a estar mais instalado na carreira se deixava de fazer curtas, de que as curtas eram uma coisa menor, mas eu nunca vi as coisas assim”, diz, para acrescentar que é nas curtas que encontra o espaço de experimentação caminhos possíveis para as suas longas. “Este é um festival onde me sinto bem, há um gosto de cinema e em mostrar filmes de que eu gosto. E é um festival que foi e é muito importante como plataforma, não só de visibilidade mas também de discussão.”

Novidade neste regresso à curta foi sobretudo o desafio de fazer um autorretrato. “Fazer um autorretrato é uma coisa muito difícil, não sabia bem como o fazer, acho que não sou a melhor pessoa para falar sobre mim. Ao mesmo tempo, tinha acabado de fazer ‘O Ornitólogo’, que é um filme de alguma forma pessoal, já uma aproximação ao autorretrato.” Filme estreado no ano em que o realizador completou 50 anos, o filme sobre o que João Pedro Rodrigues, que em criança quis ser ornitólogo, podia ter sido e que veio contar mais uma história de uma transformação entre o sagrado e o profano, a partir de Santo António e de um caiaque, em Trás-os-Montes.

“Où En Êtes-Vous”, que depois de exibido no Pompidou, em Harvard e em Berlim, tem na Competição Nacional das Curtas de Vila do Conde a sua estreia nacional, vem como consequência natural desse seu último filme — na verdade parte das imagens usadas nesta curta, como a metáfora das borboletas que migram dos Estados Unidos para o México, vieram do tempo em que esteve em Harvard a olhar para as filmagens das aves feitas em Trás-os-Montes que constituíram a primeira fase de rodagem de “O Ornitólogo”. 

São daí também as imagens do túmulo de Henry Thoreau num dia de neve no cemitério de Sleepy Hollow. “Tinha essas imagens, voltei a olhar para cassetes que tinha gravado desde o Parabéns, coisas que nunca tinha pensado sequer usar. Mas ao voltar a olhar para essas cassetes, que já não via há muito tempo, comecei a encontrar através delas um percurso na minha vida.” A isso juntou os textos adaptados de “Walden" (1854),d de Henry Thoreau, e de “The Birthmark" (1843), de Nathaniel Hawthorne, história de uma mulher quase-perfeita, que tinha como único defeito uma marca de nascença. “O marido, que era  cientista, tentou tirar-lhe essa marca de nascença mas, ao tirar-lha, matou-a. Interessa-me esta ideia de como é que nos representamos, de o que é a perfeição e como é que olhamos para nós mesmos.”

“Où Êtes-Vous” é João Pedro Rodrigues a olhar para si e a mostrar-se. “Na pintura, um autorretrato é uma imagem. Eu tinha que me mostrar de alguma forma e mostrar-me implicava explorar por exemplo a relação que tenho com o meu corpo, que é uma coisa sempre presente nos meus filmes.”