Assim à primeira vista, e, claro, confiando na versão oficial, o arsenal furtado em Tancos não é de transporte fácil nem se carrega numa mala de viagem. São 264 velas PE4A (explosivo plástico), 1450 munições de 9 mm (calibre militar), 22 bobinas de tropeçar (fios metálicos para armadilhas de carga explosiva), 18 granadas de mão de gás lacrimogéneo, 120 granadas de mão ofensivas (só têm carga explosiva) e 44 lança--rockets M72 LAW, ou seja, para mim, não foi apenas material roubado, foi, sim, um arsenal roubado – dá para fazer muito estrago.
Furtar todo este arsenal requer uma de duas coisas (ou, eventualmente, as duas): muita perícia e alguma conivência, podendo esta última ser consciente ou inconsciente.
Não tenho quaisquer provas nem tão-pouco informações privilegiadas, mas convenhamos que para entrar numa área militar restrita e carregar todo este material que, no mínimo, tem de ser transportado numa carrinha de carga (tipo Ford Transit), é preciso ter muita habilidade ou ter uma mãozinha para ajudar a carregar.
É grave, ou melhor, é gravíssimo e, embora não sendo caso isolado (nem em Portugal nem na Europa), não pode e, sobretudo, não deve voltar a acontecer. Já tivemos outros episódios (não tão graves quanto este, se é que podemos aplicar uma escala de gravidade). Em 2017 desapareceram mais de 50 Glocks da Direção Nacional da PSP e em 2011 foram G3 e HKMP5 que desapareceram da Carregueira. A este ritmo, arrisco o palpite de o próximo furto ser de um F-16.
Na “Visão” da semana passada, o tenente-general Leonel de Carvalho, ex-secretário-geral do Gabinete Coordenador de Segurança (agora reformado), dava a sua visão sobre o estado da nação militar e cujo resumo apontava para o título da entrevista: “Temos de voltar ao serviço militar obrigatório.” Assim de repente, fica-se com a ideia de que o homem ensandeceu e é um militarista-belicista convicto. Nada disso. A razão pela qual faz esta afirmação é pela falta de efetivos no serviço militar profissional que, segundo o mesmo, se tornou pouco atrativo.
Não estando seguro das condições oferecidas, mas acreditando que não serão as melhores do planeta, numa coisa tenho de concordar com ele: o atual sistema não funciona, não atrai os melhores nem qualifica as nossas Forças Armadas. Claro que discordo frontalmente quando aventa a hipótese de voltar ao SMO, pois não é a obrigatoriedade que resolve o problema, mas sim a excelência. Mas claro que compreendo que um oficial defenda a sua classe e a estrutura dirigente.
Não temos país para alimentar uma máquina militar pesada (aliás, na entrevista, o oficial queixa-se precisamente dos sucessivos cortes orçamentais e cativações), mas somos país para levar a cabo uma reforma séria e sem receios das Forças Armadas que aposte na qualidade e na excelência – assim haja vontade e, sobretudo, coragem política.
Não precisamos de centenas de oficiais nem de milhares de efetivos militares. Precisamos de redefinir as Forças Armadas atendendo à estratégia e aos interesses nacionais: a defesa e proteção da nossa ZEE, o cumprimento das obrigações internacionais e a segurança nacional face aos novos desafios e ameaças (leia-se cibersegurança e terrorismo). Um país como o nosso não pode dar-se ao luxo de esbanjar dinheiro para brincar aos soldadinhos. Cada euro investido nas Forças Armadas deve cumprir critérios rigorosos de objetividade estratégica definidos superiormente.
Não precisamos de um serviço militar obrigatório, do que precisamos é de uma reforma séria e objetiva das Forças Armadas. Haja coragem e vontade política.
Escreve à quinta-feira