Sem grande surpresa – que não a que há-de resultar absolutamente arrasadora quando confrontada com as conclusões pífias e branqueadoras da muito inútil comissão de inquérito da CGD, com um verdadeiramente desinteressado e independente apuramento de factos –, noticia-se por estas semanas que houve um julgamento prévio por um órgão de soberania não político, o Tribunal da Relação de Lisboa, que referiu ao Banco de Portugal entender haver indícios sérios de práticas que podem consubstanciar ilícitos penais relevantes na gestão da CGD, autorizando o acesso ao MP de variada documentação sobre a gestão da CGD.
Com efeito, longe vão os dias de Pinto Monteiro e Noronha do Nascimento.
Relativamente aos devedores e operações, bem como aos seus agentes, e como era de intuir, perpassam, entre outras, operações em que uns transitam de um banco para outro e trazem consigo os devedores de estimação que, por sua vez, acompanham uma certa administração, e que fazem o mapa do ataque político ao mercado da concessão de crédito das legislaturas pré-troika.
Sem surpresa, os jornais dão notícia de que algum PS se insurgiu com a PGR e o público, digo eu, estranha o silêncio ensurdecedor e cúmplice dos (antigos) partidos do protesto.
Neste circuito, que a comissão parlamentar se propõe branquear falando numa simples falta de rigor no cumprimento das boas práticas, explica-se uma parte importante da necessidade de mais um aumento de capital da CGD e do estado actual do nosso sistema bancário.
Aliás, é cada vez mais evidente que a figura do “banco público” e a estrutural necessidade da sua existência que sempre se defende, afinal, não se referem à titularidade do seu capital social, mas tão-só aos comuns pagadores da sua dívida, ou seja, mais não é do que um eufemismo para caracterizar os habituais chamados, com os seus impostos, aos sucessivos aumentos de capital, e que em bom rigor publicita a dívida pelos costumados pagadores, mas diz pouco sobre a sua titularidade – e sobretudo expõe os efeitos do pernicioso hábito da impune promiscuidade entre a administração da CGD e a política e todas as suas derivações….
Assim, não surpreende ninguém – aliás, devia envergonhar os srs. deputados, e muito – que, conforme se noticia, o pedido de junção aos trabalhos da comissão do acórdão do TRL que fala em indícios de actos que podem configurar crimes de gestão danosa na CGD tenha sido chumbado pelos mistificadores do costume e que o esforço para a descoberta da verdade só pudesse, eventualmente, chegar na forma de requerimento potestativo, e porventura não a tempo de um rol de conclusões que, provavelmente, não vão coincidir com a realidade, o que demonstra a utilidade prática destas agremiações…
Infelizmente, por estes dias, estas comissões parlamentares, com o apoio dos idiotas úteis do costume – aqueles que rasgaram as páginas da sua cartilha de provedores da moral do regime, e para quem já ninguém tem de demitir-se por pior que faça nem conhecem escândalo, depois de PPC, tudo a troco das migalhas que o poder lhes deita –, destinam–se, muito mais do que a descobrir, apenas e tão-só a encobrir.
Atingimos o grau máximo do compadrio e do nepotismo, e o grau zero da utilidade das comissões parlamentares e da representatividade democrática – e, já agora, da vergonha.
Não deixa, aliás, de ser de certa forma delicioso que os compagnons de route da mistificação da gestão da CGD, no seu afã para que nada de útil dos trabalhos veja a luz do sol, sejam os mesmos que bradam por saber onde (e note-se a ironia sórdida disto tudo) não foram gastos os valores cativados nos emblemáticos orçamentos dos ministérios que estes apadrinham e tutelam.
Também por estes dias se noticia que o ano de 2016 terá sido aquele em que, em valores absolutos, mais impostos foram arrecadados em Portugal e a tributação per capita atingiu o seu recorde absoluto.
Por isso, é quase ternurenta na sua aparente ingenuidade e despudor, e quando passada pelo crivo da realidade, a afirmação de que este governo abandonou a austeridade, porque devolveu uma parte significativa dos rendimentos à clientela do costume, o que merece o apoio dos seus parceiros, como Mariana Mortágua afirmou perante Adolfo Mesquita Nunes na televisão – ignorando, como convém, desse argumento de recurso, que em compensação os impostos indirectos subiram de tal forma que, em valores absolutos, e per capita, a confirmarem-se os números, os mesmos portugueses acabaram a pagar mais ainda do que foi devolvido. Ou seja, que há muitas formas de fazer austeridade; para o resto, basta ter uma comunicação eficiente.
Cabe também, no âmbito dos prazeres sórdidos destes dias, assistir- -se ao estranho e caricato exercício de quadratura do círculo através do qual, depois de ter aprovado este Orçamento do Estado (o tal em que as vacas voam), o BE vem pedir explicações sobre a execução das cativações que esse OE, apregoadamente muito negociado, já previa, fingindo uma táctica (mas prudente, para não fazer muita mossa) indignação que ninguém vê nem acredita.
Destes dias da política, assim, se retira que a verdade interessa muito pouco e deve ser escondida dos portugueses. Já não é um facto, é uma notícia comprada, um relatório abastardado ou uma mentira repetida muitas vezes. É a revolução bolivariana cá do burgo.
Advogado na norma8advogados
pf@norma8.pt
Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico
de 1990