Millennials. Crer ou não crer? Eis a questão

Millennials. Crer ou não crer? Eis a questão


Crentes, descrentes, espirituais e religiosos – eis alguns testemunhos  de millennials portugueses  sobre Deus, a Igreja  e as religiões


Sunamita Cohen, 26 anos

Pertencer a uma família que do lado materno é judia, e do paterno é católica, podia ter condicionado a minha fé, coisa que nunca aconteceu. Os meus pais sempre me educaram num contexto de total liberdade espiritual e política. Quando tinha 16 anos, comprei uma t-shirt que dizia: “God is too big to fit into one religion.” Essa t-shirt, por estranho que pareça, acabou por moldar muito a minha postura espiritual. Acredito em Deus enquanto entidade superior, mas vivo a minha fé de uma forma muito livre. Penso que a minha relação com Ele ou Ela é tão pessoal e tão grande que não deve ser aprisionada numa jaula de formalismos e regras. Tento ir buscar os melhores ensinamentos a todas as religiões, porque todas os têm, e procuro nos lugares sagrados (sejam católicos, judeus ou hindus) comunicar com essa presença superior. Penso que a minha geração, mais do que religiosa, é uma geração espiritualizada. No entanto, apesar de sentir que defendemos a coexistência pacífica de todas as religiões, tenho algum medo de que nos deixemos manipular e nos tornemos numa geração islamofóbica. 

 

Simão Freitas, 24 anos

Não acredito em Deus, embora tenha tido formação católica e mantenha um grande fascínio pela espiritualidade e pelo conceito de fé no comportamento do ser humano.

Na minha opinião, a estrutura básica de qualquer religião, como existe hoje em dia, está orientada para o lucro e para a preservação da importância artificial que dão a si mesmas. Esta geração (e talvez até outras para trás) está cada vez mais desligada das religiões, também por ter acesso a níveis cada vez mais altos de ensino. Mesmo depois de ter feito catequese e de ter estado envolvido em vários grupos relacionados com a minha igreja local, percebi rapidamente que o que de bom as organizações paroquiais podem trazer – o apoio às comunidades locais, aos desfavorecidos e discriminados – era muito facilmente relegado para segundo plano por uma necessidade de recolher fundos, perpetuar uma mensagem evangelizadora e demasiado arcaica para poder fazer a diferença. A meu ver, as capacidades de integração, apoio e alívio psicológico que a religião poderia trazer em grande parte do território nacional estão ‘adormecidas’ por mentes demasiado anciãs e conservadoras que impedem a religião de cumprir a sua missão – apoiar os que disso precisam.

Outra coisa que me afetou profundamente foi entender que me foi ‘ministrada’ uma formação católica que era, em primeiro lugar, profundamente desconhecedora da sua própria história e bases, e em segundo lugar, profundamente apontada a manter as massas num estado de aceitação cega daquilo que os padres e outras figuras dissessem ou pedissem. Na minha cabeça, o ideal dos grandes profetas, ou mesmo da raiz das maiores religiões, é a sua capacidade de colocar o amor, o perdão e o sentimento de comunidade e amizade no centro da existência, e não o Deus perseguidor e castigador que é infligido à população na esmagadora maioria dos casos. Por fim, o meu ‘despertar’ para a filosofia também me fez afastar muito da ideia ‘Deuscêntrica’ da existência.

Raimundo Pinto, 25 anos

Não acredito em crenças religiosas, ou, por assim dizer, em religiões. Acho que as doutrinas e ideais das instituições religiosas já sofreram demasiadas mutações. Acredito que, quando começaram, tinham as melhores intenções. Mas com o avançar do tempo e a sedimentação da religião nas sociedades acho que o útil destruiu o agradável. A religião tornou-se numa máquina de fazer dinheiro e de moldar mentes tão grande, que é impossível manter as ideias que tinham no início, é grande demais. Reparem e, vou dar um exemplo pessoal. Há uns anos, estava na missa de um tio. O padre enganou-se várias vezes no nome e, antes da missa acabar, “lançou” o peditório. A igreja tinha sido paga pela funeral e todos os arranjos, o mínimo a fazer era proporcionar à família uma boa despedida. Mas não, nem um nome correto, nem respeito, foram capazes de dar! Dito isto, sou uma pessoa que acredita em espiritualidade, em algo, numa força difícil de explicar que nos acompanha e segue os nossos passos. Acredito nisso, mas não tento dar-lhe um nome, nem inventar uma culto à sua volta, capaz de justificar tudo, a todos.

Maria Martins, 21 anos

Não sou uma pessoa religiosa, apesar de ter vivido a religião católica de perto por pressão familiar. Acho que alimento mais a ideia de que existe algo superior, mas não creio que seja o Deus que nos é impingido tradicionalmente. Desde cedo olhei para a religião como uma obrigação ridícula, algo que não era adequado à minha geração (talvez também pela forma como a religião era e é praticada na zona onde cresci). Atualmente, e pensando nos mais recentes conflitos de cariz religioso, torna-se ainda mais difícil acreditar na mensagem paradoxal que a igreja tenta passar. Mais do que unificar, por mais clichê que seja, a religião sempre separou e funcionou como arma de guerra. 

Fábio Carvão, 22 anos

Sou cristão católico e faço parte da geração à rasca, mas Deus até me tem desenrascado e muito bem. Esta é a geração do SIM, somos jovens que, saímos à noite e vamos ao cinema, mas também  vamos à missa. Mas porquê? Porque acreditamos em Deus, e que Jesus Cristo foi quem deu a vida pelo projeto de Deus, de acolher os mais frágeis, os descriminados. Gosto de trabalhar com os jovens e no meio dos jovens, gosto de dar abraços grátis, de dizer bom dia com um sorriso nos lábios, de missionar contra a corrente. Acreditar em Deus é acreditar no amor e nas pessoas, que juntos e de mãos dadas fazemos a diferença. Nem que seja pequena.  Acredito que as pessoas de outras religiões também fazem a diferença, existe só uma regra: o Amor. E para eles um abraço. Sorri sempre para as pessoas, pode ser o único gesto de amor que tenham nesse dia.

Arcelindo Gomes, 25 anos

Ser jovem estudante e acreditar que existe um Deus sempre foi um assunto delicado. Pelo motivo que sempre ouvi: fé e ciência não são compatíveis. A verdade que tenho reparado e comprovado que tudo isto só nos torna mais capazes de o fazer/praticar. Sendo um jovem católico, o testemunho de São Vicente de Paulo faz-me viver tudo isto de uma forma mais harmoniosa.”Caridade organizada” – este lema vicentino faz-nos usar todo o conhecimento para fazer uma caridade mais organizada e estruturada. Por vezes, é fácil afastarmo-nos de tudo isto numa sociedade cada vez mais barulhenta. São Vicente dizia que “a caridade é mais pesada do que uma panela de sopa”. Tenho pensado sobre isto, nesta semana em que me encontro em missão pelos bairros sociais, pelos lares privados e centros de dia, também entrando e condomínios privados onde a riqueza material é imensa mas o vazio é tão grande que nem isso os preenche. Pensar que em certas casas um simples quadro de Paula Rego ou Júlio Pomar poderia alimentar todo um bairro durante meses. Uma simples rua torna-se por vezes uma fronteira.  

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