Quase 900 anos leva este país e mesmo antes já o território tinha as suas lembranças, ruínas admirando os séculos, a passagem do tempo. E é aqui, no século XXI, depois de décadas de um tão grande desprezo democrático pelo Património, que parece haver sinais de um renovado interesse pela velha alma deste país. Nos últimos cinco anos, os Monumentos, Museus e Palácios sob tutela da Direcção Geral do Património Cultural (DGPC) viram o número de visitantes aumentar em mais de milhão e meio, com uma taxa de crescimento de 44,5%, situação que se espera continue a evoluir positivamente.
Os dados daquele instituto indicam que, no decurso do período entre 2011 e 2016, não apenas tem havido um crescimento sustentado como, nos 23 equipamentos culturais tutelados, só em dois casos – Museu Monográfico de Conímbriga e Museu Nacional do Traje – houve um decréscimo (-6,2%) de visitas. E deve assinalar-se o extraordinário desempenho do Museu Nacional Machado de Castro, em Coimbra, que, se em 2012 teve 34 mil visitantes, no ano passado ultrapassou os 110 mil. Mas é o Museu Nacional dos Coches aquele que continua a liderar em número de visitantes, e no período em análise passou de 191 mil para mais de 382 mil, com uma taxa de crescimento de 100%.
A mesma tendência se observa ao nível dos Monumentos, com o Mosteiro dos Jerónimos a registar um crescimento de quase 50%, tendo recebido mais de um milhão de visitantes em 2016, e o Panteão Nacional a crescer 115% nestes cinco anos, com 120 mil visitantes no ano passado. Nos dois palácios – Ajuda e Mafra –, os sinais são igualmente animadores. E se o turismo foi o grande impulsionador, sendo que nos Museus as entradas estrangeiras cresceram 100% nos últimos cinco anos, os números da DGPC deixam claro que os portugueses estão também a deixar-se motivar, e no caso dos museus as entradas nacionais cresceram em 22,6%.
Talvez o país tenha tropeçado no seu orgulho, até numa espécie de vaidade, olhando-se muito mais ao espelho, achando-se mais avantajada depois de os olhos estranhos se demorarem mais nele. Como uma miúda que se acha feia, cheia de complexos, mas que ultrapassa a adolescência e cai do lado da graça, começando a fazer virar cabeças na rua. Os estrangeiros parecem ter convencido não só a menina e moça, mas o resto das amigas, da cidade à província, passando necessariamente pelo campo e pelas praias, de que Portugal já não tem apenas direito a uma aprovação pelo seu encanto pitoresco, mas começa a ganhar fama, e está a gozar a sua fase mais dissoluta. O perigo, claro, é deslumbrar-se e não investir para que, depois desta fase, persista algo mais, um charme, uma confiança, uma convicção no seu valor.
No passado domingo, e por iniciativa do PCP, foi reposta a gratuitidade da entrada nos museus e monumentos nacionais, nos domingos e feriados, até às 14h, para todos os residentes em território nacional. Depois do voto dos deputados que permitiu a reposição desta «medida emblemática para os portugueses conhecerem mais e melhor os museus», como a classificou o ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes tomou como sua esta reversão de uma medida tomada pelo anterior governo, em 2014 – altura em que as entradas passaram a ser gratuitas apenas no primeiro domingo de cada mês, durante todo o dia, tendo então a DGPC criado um bilhete destinado às famílias numerosas. «É um reverter de uma medida e que irá beneficiar todos os residentes em território nacional. Facilita que os museus sejam mais vividos. E isso aumentará a qualificação humana, o espírito criativo e o conhecimento», sublinhou o ministro.
Ontem, a DGPC destacava ainda, como nota positiva, a entrada de quatro novos museus para a Rede Portuguesa de Museus. Assim, o Museu do Douro, Museu da Comunidade Concelhia da Batalha, Museu Municipal de Loulé e Museu da Misericórdia do Porto passaram a integrar desde ontem a rede de 149 museus oficialmente reconhecidos pela sua qualidade técnica no desempenho das funções museológicas.
Por outro lado, a mesma entidade tinha comunicado, horas antes, justamente aquele tipo de situações insólitas que não raras vezes põem em causa uma melhor acção em defesa e promoção do Património. A Direcção-Geral informava que o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) se encontra parcialmente encerrado e o motivo prendia-se com o facto de sete dos vigilantes contratados se encontrarem de baixa médica. As salas foram encerradas «para garantir a segurança dos espaços». A solução encontrada para «esta situação atípica», como reconhece a DGPC, passará pela contratação externa de vigilantes, um processo que a entidade diz ter desencadeado de imediato de modo a que o MNAA retome «o seu normal funcionamento no mais curto espaço de tempo».
Na página do museu que acolhe a mais relevante colecção pública de arte antiga portuguesa, há um aviso a informar que, de terça a sexta-feira, estão totalmente encerrados os pisos 01 e 02, que acolhem as exposições de mobiliário português, artes decorativas francesas, ourivesaria, joalharia, arte da expansão e cerâmica. Está ainda encerrado diariamente – entre as 12h e as 15h – o piso 03, com a colecção de pintura e escultura portuguesas, onde se encontram algumas das peças mais importantes do museu, entre as quais os Painéis de São Vicente.
Em 2016, o MNAA foi o segundo museu que mais visitantes atraiu, ultrapassando as 175 mil entradas. E se a evolução entre 2011 e 2016 é claramente positiva, tendo crescido 36% nesse período, foi em 2014 que recebeu mais visitantes, mais de 221 mil, caindo para perto 164 mil no ano seguinte. No que já decorreu do ano, este museu mantem a segunda posição entre os que atraem mais visitantes, com cerca de 50 mil.
O Sol tentou por várias vezes, sem sucesso, obter junto da DGPC mais dados em relação à gestão do Património, nomeadamente os dados relativos às receitas e despesas com os diferentes com equipamentos culturais que tutela.
No dia 2 de julho, o ministro assinalou o primeiro domingo gratuito com uma visita pela manhã ao Museu Nacional Machado de Castro, onde foi apresentada pelo poeta João Miguel Fernandes Jorge a obra Museu Nacional Machado de Castro 100 anos / 100 Obras, que conta com um prefácio de Castro Mendes. Assinalando o centenário da abertura ao público, que na verdade ocorreu a 11 de outubro de 2013, tendo o museu aberto as portas pela primeira vez em 1913, o museu publica um luxuoso catálogo da responsabilidade da sua diretora, Ana Alcoforado. No anódino prefácio que assina, Castro Mendes refere que «a escolha das 100 peças que ilustram este livro foi com certeza uma tarefa difícil», e sublinha que «o critério escolhido plasma aquele que deve ser o grande princípio orientador da atividade dos museus no século XXI: servir o público, inspirar o público e aprender com o público». E adianta que o «futuro dos museus está precisamente na sua capacidade em criar conetividades biunívocas com os seus públicos, sejam estes os visitantes físicos, os visitantes virtuais ou as comunidades circundantes».