1. Ao ser entrevistado na SIC depois do gravíssimo roubo no paiol de Tancos, o ministro da Defesa recorreu à mais baixa demagogia para afirmar que Portugal é um país seguro, aludindo à circunstância de não termos sofrido ataques terroristas. Azeredo Lopes, cuja manutenção em funções é inaceitável politicamente, deveria ter reconhecido que a ausência de atentados se deve a não sermos um alvo, e não à existência de uma segurança efetiva, mas que vendemos em jeito de promoção turística, o que é reconhecidamente perigoso. É verdade que não há casos de atentados recentes, mas não o é menos que muitos houve e graves no período democrático, como os da embaixada da Turquia, o assassinato de Sartawi ou os crimes das FP-25. Se nada aconteceu por cá desde que há islamismo radical é porque não fomos escolhidos por um lobo solitário ou por um grupo terrorista. Não é por mérito da prevenção.
A verdade é que, mesmo sem falar em terrorismo ou grande banditismo, Portugal não é um país seguro, antes pelo contrário. A prova disso está por todo o lado. Está na causa dos fogos florestais e nas suas consequências funestas, como se viu em Pedrógão Grande. Está no perigo que pode representar a localização do aeroporto de Lisboa (embora aqui não haja unanimidade) e no descontrolo dos drones. Está nas fugas de gente no aeroporto e no desaparecimento de famílias de refugiados. Está em anteriores roubos de armas e munições em instalações militares e policiais que só podem ocorrer com cumplicidades internas. No campo civil, está na frota de táxis e autocarros com mais de 25 anos e nos comboios com mais de 50. Está no número de afogamentos nas praias e nos rios não vigiados porque a época ainda não começara embora já fosse estival muito antes. Está na reconstrução em Lisboa, feita sem cuidados antissísmicos. Está na falta de meios de socorro adequados nos Açores, denunciada há dias. Está nos grupos de hooligans ingleses que organizam excursões de pancadaria e bebedeira no Algarve. Está na repetição de casos de legionela e na falta de uma lei que obriga a vacinar crianças. Está na ausência de defesa do consumidor. Está na forma como não se faz o arranjo das estradas sem que a GNR e a PSP notifiquem as entidades responsáveis, enquanto perseguem ferozmente qualquer falha na ida a uma inspeção por um dia ou dois ou a falta de pagamento de uma portagem. Está no aumento de mortes nas estradas, que pode ter resultado da renegociação de custos feita à custa da manutenção. Está na velocidade louca das motos e na circunstância de os ciclistas não andarem de capacete e não terem seguro, e circularem anarquicamente. Está nos casos que correm mal nos hospitais públicos e nos privados, com exemplos estranhos de incúria e de infeções hospitalares inexplicáveis. Está na falta de meios do INEM e no fecho de esquadras. Está na falta de vigilância ou de medidas preventivas para gente, normalmente homens, já referenciada por violência doméstica que regularmente atinge as mulheres e os filhos. Está nas crianças assassinadas por pais ou mães em atos tresloucados ou que são maltratadas em instituições. E, para não ser mais exaustivo, deixa-se de parte a insegurança gerada pelos abundantes crimes económicos que nos colocam no topo dos povos mais roubados do mundo dito civilizado.
2. Depois de Pedrógão Grande e de Tancos, António Costa tem de remodelar o governo para preservar a sua imagem. A sua inexplicável ida de férias não muda essa realidade, porque o problema estará cá no regresso, altura em que não encontrará um tão complacente Marcelo, embora este deva ainda manter-se formalmente solidário. Costa não irá pela exoneração direta dos ministros atingidos. O mais natural será os visados, especialmente o da Defesa, que tem responsabilidades político-operacionais e é altamente contestado pelos militares, pedirem para sair. Desse modo, o primeiro-ministro poderia mexer na estrutura do executivo, arranjando um bom número dois, ainda que, aparentemente, o lugar pudesse manter-se em Santos Silva, que é um verdadeiro equívoco. Sabiamente e mesmo antes das autárquicas, Costa poderia mudar outras peças, nomeadamente Vieira da Silva e Brandão Rodrigues, atulhados em problemas. Embora a memória seja curta e Costa seja mestre na ficção política, é impossível manter tudo na mesma, porque o que se passou é tão grave que nenhuma oposição, por muito incompetente que seja, permitirá que caia no esquecimento. Costa, a geringonça, o PS e até Marcelo precisam de recuperar a confiança dos cidadãos, que ficaria profundamente abalada caso se mantivessem dois ministros totalmente desautorizados pelo que aconteceu nas áreas principais da segurança.
3. No sábado, Passos Coelho perdeu no seu bastião lisboeta uma eleição emblemática. De facto, uma lista liderada por Morais Sarmento infligiu uma pesada derrota à do líder na importante e estratégica concelhia de Lisboa, no que diz respeito aos delegados do PSD à assembleia municipal. É claro que Pedro Pinto ganhou a comissão política distrital, à qual concorreu sozinho, mas ficou dado um sinal de que há predisposição para a mudança.
Jornalista