A semana passada, o jornal i anunciava que o governo convocou um focus group para saber se a tragédia de Pedrógão Grande teria reduzido a cinzas a sua imaculada popularidade. O que o responsável pelo marketing do governo não podia antever é que, rapidamente, precisaria de organizar um novo focus group para avaliar o impacto social do roubo de material militar mais tarde noticiado.
Este triste episódio faz lembrar as preocupações de José Sócrates quando perguntava ao seu assessor de imprensa qual o melhor ângulo para comunicar aos portugueses a bancarrota. Se alguma lição podemos retirar dos dois casos é que há uma preocupação do PS com a sua reputação, independentemente das circunstâncias dos portugueses.
Este marketing politiqueiro explica, por exemplo, que se omitam, ao nível do debate público e da consciência dos portugueses, as origens das primeiras medidas de austeridade, da lavra do governo de Sócrates. Em bom rigor, há boas razões para o governo estar apreensivo quanto ao seu desempenho e popularidade.
Desde a sua entrada em funções que o país viveu num clima de otimismo, de repente interrompido, provocado por várias circunstâncias, das vitórias da seleção à saída do procedimento por défice excessivo. Depois, aqueles dois acontecimentos constituem um forte abalo à credibilidade das instituições do Estado (em sentido amplo), personificadas no atual executivo.
A esta falta de credibilidade não ajudará a condição da ministra da Administração Interna, que tem dado provas de uma fragilidade emocional que, se é humanamente compreensível, no atual clima de descredibilização institucional não seria o comportamento expetável. Acresce ainda que estes episódios revelam falhas do Estado naquelas que são as suas funções mais essenciais ou de soberania, a saber: administração interna e defesa.
Por outro lado, a comunicação social insiste em fazer constar o nome do primeiro-ministro associado ao SIRESP, à sua compra e negociação. Em último lugar, os meios e os instrumentos que o governo tem ao seu dispor para responder a estes casos, se são geograficamente circunscritos, também não cabem na retórica do “virar de página da austeridade” que (quod erat demonstrandum) galvaniza as emoções e os votos dos portugueses.
Por este conjunto de razões, a realização da sondagem seria justificada não fosse o timing que a torna particularmente inoportuna, até mesmo insultuosa, por força das circunstâncias extraordinárias que se abateram sobre o país. Este tipo de comportamento do governo seria eticamente compreensível ou, pelo menos, mais legítimo, mais tolerável, no rescaldo da assunção de responsabilidades políticas, de uma demissão, por exemplo. Não sendo esse o caso, o seu simbolismo não pode ser outro senão uma preocupação do governo em testar a sua reputação e afinar o modo de sobrevivência da geringonça – que dá surpreendentes mostras de união –, em detrimento do interesse público.
Por outro lado, mostra que a entourage socialista dificilmente reunia condições para lidar com decisões necessárias mas impopulares, como as que o governo anterior se viu forçado a implementar por imposição da troika.
Ficamos assim a saber que este governo está determinado a gerir os seus níveis de popularidade, a agradar aos portugueses, e que nada fará para pôr em perigo o seu sucesso, que merece sempre prioridade. As reformas de que o país precisa, sobretudo as que não agradam, que implicam escolhas nas prioridades a dar às funções do Estado, à sua eficácia e funcionalidade, ficam para quem vier depois.
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