Do ponto de vista da dificuldade da negociação, o Brexit estará entre o acordo nuclear com o Irão e a desnuclearização da Coreia do Norte…
Não deixa de ser curioso que alguns comentadores encontrem na negociação dos resgates aos países da zona euro Irlanda, Grécia, Portugal, Espanha e Chipre a referência mais próxima a uma dificuldade comparável em sede de negociação na União Europeia. Para os mais desmemoriados, valerá a pena lembrar que não houve verdadeira negociação nem com a Grécia nem com Portugal ou com Chipre. A Irlanda conseguiu modelar as condições do resgate e os espanhóis tiveram a inteligência suficiente para, sopesando o seu PIB, assustarem os restantes parceiros da zona euro e limitarem o resgate ao sector bancário, recitando uma malagueña sob o mote “too big to fail”. O resgate tem tido sequelas quer em Espanha, com o Banco Popular, quer com a estranha visão, por parte da Comissão Europeia e do BCE, do sistema bancário português, considerado uma dependência regional da Ibéria, região outorgada a um banco espanhol, o Santander. Recordemos o Natal passado e a venda do Banif.
O Brexit vai testar as qualidades dos negociadores de parte a parte, com as duas melhores equipas do campeonato da UE. Jogando fora, o Reino Unido sofre com a deriva May, parte enfraquecido pelo resultado das eleições e tem tido que viver, desde os tempos de Gordon Brown no Treasury, com uma menorização das estruturas do Foreign Office.
Do lado da Comissão Europeia está uma dream team que tentará adiar até ao limite toda e qualquer concessão e que obrigará a equipa britânica a mostrar o jogo e a ir a jogo.
O primeiro lance negocial, depois de enterrados os slogans em torno do Hardbrexit e do “no deal is better than a bad deal”, resultou já das novas condicionantes. O RU ofereceu, ainda que sem detalhe, a residência aos 3,2 milhões de nacionais da UE, reivindicando a reciprocidade para os 1,2 milhões de britânicos que actualmente habitam noutros Estados da UE.
Tusk lembrou que Satã se esconde nos detalhes e guardou uma opinião sobre a proposta britânica para quando sejam revelados. May quis mascarar a sua fraqueza pós-eleitoral com uma oferta simpática feita no Conselho Europeu. A oferta foi rapidamente desvalorizada e os tablóides britânicos não deixaram de anunciar o novo bilhete de identidade britânico para residentes de outros Estados da UE. O drama da gestão dos estrangeiros voltou, cinicamente, às primeiras páginas: os “estrangeiros” da UE estariam a ser discriminados, tendo sido a imigração proveniente da UE o grande catalisador do Brexit…
Aqui por Xelas aposta-se numa negociação conducente a um longo período de transição a partir de março de 2009 (seis, sete anos), um período que deixe tudo na mesma em matéria de mercado interno, pauta aduaneira comum, acordos comerciais e liberdades económicas (incluindo, hélas, a liberdade de circulação de pessoas), sem hostilizar abertamente a soberania do eleitorado britânico. A parca esperança de vida do novo governo britânico permite aos mais ousados acreditar na chegada de Corbyn a Downing Street, primeiro num governo minoritário e, depois, com uma maioria parlamentar sufragada por um eleitorado que se inclina cada vez mais para o tax and spend.
A melhor arma do negociador é o tempo. E o tempo joga manifestamente contra os britânicos, quer pela proximidade do mês de março de 2019, data em que os tratados deixam de ser aplicáveis ao RU, quer pela erosão que as lutas intestinas irão causar no governo.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990