Se há coisa de que me orgulho no Cancro com Humor é a comunidade que tem crescido dentro dele, com ele, por causa dele. E o que é isto de comunidade? Não, não andamos todos vestidos de igual, não temos nenhum cumprimento próprio, não usamos palavras secretas e se alguém deixar de fazer parte não corre o risco de ser espancado por retaliação. Somos apenas pessoas que inspiram outras pessoas e gostamos de o fazer juntos. Naquele lugar virtual, à distância de um clique, mas transformando de alguma forma a vida quotidiana de tantos.
Todavia, os grupos continuam a ser estranhos para mim e sobre eles tenho sentimentos contraditórios.
Durante a minha existência, tive muita aversão a grupos. Sempre me deixaram nervosa, de tal forma que deixei de os ter socialmente e parei mesmo de ter um grupo de amigos. Agora só tenho amigos. Ansiamos por que um grupo nos torne mais fortes, mais integrados, facilitando a nossa vida porque, supostamente, deixamos de estar sozinhos e não nos apercebemos das consequências que acarreta pertencer a algum lado. Comigo nunca resultou – os grupos sempre estimularam as minhas dores de cabeça e crises de enfadamento.
Antes desta resolução era um ser ansioso por integrar o rebanho e também tive a infeliz ideia de ir com aquele monte-de-gente-do-costume a um concerto. E o que acontece quando fazes isto? Passas a ser uma pessoa que espera perpetuamente. O caminho que poderia ser feito em cinco minutos demora duas infindáveis horas porque é preciso esperar. Esperas porque alguma das miúdas tem de fazer xixi, depois esperas porque a melhor amiga da miúda do xixi também tem xixi por imitação; depois esperas porque alguém decidiu perder-se; depois esperas porque o idiota do grupo está a engatar alguém que acabou de conhecer, e quando chegas ao concerto? O concerto acabou. Deixei-me disso e passei a ser livre nas minhas escolhas. A estar com quem me apetecia estar – individualmente. Cresci sem grupos e olha que cresci feliz.
Passei a estar com quem queria e não com quem ia.
No meu dia-a-dia continuo a ser assim. Vou reunindo amigos (nas minhas festas de anos, as pessoas não se conhecem umas às outras, e sim, no início é sempre um bocadinho constrangedor) e, normalmente, vou combinando estar com um de cada vez. Dessa individualidade, dessa unicidade nasce sempre uma ligação mais forte. Gosto de olhar para uma só pessoa e de lhe dar a minha total atenção.
Mas a verdade é que eu própria fomentei uma comunidade e sigo, diariamente, outras comunidades e grupos. Acompanho em especial um grupo apelidado de Careca Power onde, posso garantir-te, as pessoas que ali estão são diariamente ajudadas. Há uma comunhão e uma partilha que resulta e que torna os dias de quem lá está mais fáceis. Basta um elemento do grupo levantar uma questão para muitos outros responderem à pergunta com soluções ou apenas conforto. Quem tem cancro sabe o quão essencial é sentir-se compreendido e os grupos de entreajuda, às vezes, são mesmo o auxílio principal. Ali não entra o preconceito, ali não faz mal sentir, ali há um estranho sentimento reconfortante de sabermos que não somos os únicos a quem dói.
Aquilo sobre o que proponho que reflitas, sobretudo se integrares um grupo, é que é preciso saber estar sem pertencer. Saber estar sem pertencer com apego, com devoção eterna, com cegueira. É importante não esquecer que fazer parte de algo não define a tua identidade. Não és só um conjunto, és a tua individualidade. Não és só um todo, és a particularidade que interage com esse todo. Não te esqueças que escolhes integrar (terás os teus próprios motivos, talvez te sintas mais confiante, mais seguro, mais completo), mas não integres porque tem de ser.
Escolher integrar porque te acrescenta algo é diferente de o fazer porque de, outra forma, não saberias quem eras. E quando quiseres sair, sais porque também não sais vazio.
O dilema que impera é: quando já não faz sentido pertencer, o que prevalece? O apego duma identidade de grupo que já não é a nossa ou a coragem de desbravar caminhos desconhecidos?
Pertencer é bom. Somos seres sociais e precisamos uns dos outros. Saber deixar de pertencer por opção, também.
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