É fogo que arde sem se ver


Para lá dos fogos que se veem, há um fogo que arde sem se ver, alimentado pela poluição e pelos excessos humanos. Talvez esteja aí a chave da prevenção, mas, ao que parece, ninguém se lembra que por exemplo os EUA abandonaram o tratado de Paris


Invariavelmente todos os anos, ou quase todos por esta altura, somos assolados pelos incêndios florestais. Não é novo o tema e nunca vai ser. É o início do tempo quente e, irremediavelmente, vai sempre haver incêndios, perdas materiais e, infelizmente, humanas também.

Por esta altura também aparecem os arautos da desgraça e os oráculos da opinião que inusitadamente parecem ter a solução na manga para controlar a mãe natureza. Atira-se para o ar que há muito descuido, má prevenção, pouca preparação ou equipamento antiquado e, claro, as teorias da conspiração ligadas à indústria da pasta e do papel. Pode fazer-se mais? Pode claro, pode sempre fazer-se mais.

Mas convenhamos, parece-me um pouco excessivo a forma exaltada (e excitada) como grande parte dos opinion makers da nossa TV decretam as fórmulas mágicas para acabar com os fogos florestais em Portugal. Não são especialistas na matéria e, adiantam, não querem ser, mas não se escusam ao “eu acho que” ou ao “o que deveria ser feito era”. E todos os anos lá vêm os mesmos chavões: são os reclusos e o exército a limpar matas, é a força aérea a combater os fogos, são as leis disto e os decretos daquilo… E depois? Bem, depois passa a época dos fogos e concentram-se no season hit seguinte.

Não acredito neste emaranhado de teorias e de soluções miraculosas para travar o que não é possível travar. Acredito naturalmente na prevenção, nos meios disponíveis que foram sendo melhorados e acredito no esforço e na preocupação dos governantes que ao longo dos anos deram o seu melhor para dotar a proteção civil e as corporações de bombeiros dos meios necessários para realizarem o seu trabalho.

Quem chega a Portugal e ouve os nossos comentadores e jornalistas deve ficar com a ideia que incêndios só existem aqui. Só em Portugal e em mais nenhum lugar do planeta. Uma rápida pesquisa permite, assim de repente, identificar um incêndio nos EUA (Geórgia) que pode levar cerca de 6 meses a ser extinto e consumiu 40 mil hectares de terreno; ou na Austrália, em Nova Gales do Sul, que se estendeu por 6.600 hectares e ameaçou zonas urbanas; ou ainda em Espanha onde o ano passado mais de 6000 hectares arderam, só na Galiza.

Será que nestes países também há incúria dos governantes? Falta de preparação das forças de combate? Falta de meios e teorias da conspiração? Lembro-me perfeitamente, em agosto de 2016, das notícias de abertura dos telejornais – a Europa estava a arder. Portanto o problema não é local, é global.

Para lá dos fogos que se veem, há um fogo que arde sem se ver, alimentado pela poluição e pelos excessos humanos. Talvez esteja aí a chave da prevenção, mas, ao que parece, ninguém se lembra que por exemplo os EUA abandonaram o tratado de Paris.

A temperatura média na superfície terrestre e oceânica em 2016 foi a mais alta desde 1880, esteve 0,94ºC acima da média do século XX. Desde o início do século XXI o recorde de temperatura global anual aumentou cinco vezes – em 2005, 2010, e de 2014 a 2016.

Na Europa, os últimos três anos tiveram as mais altas temperaturas dos últimos 107 anos. A maioria dos estudos científicos considera que se a temperatura global aumentar para valores acima dos 2ºC dos existentes antes da revolução industrial provocará alterações climáticas irreversíveis.

Estaremos a combater o verdadeiro incêndio?

Escreve à quinta-feira