Os dias horribilis de António Costa


A tragédia de Pedrógão Grande agravou um momento político que já vinha desgastando António Costa, mas valeu-lhe logo precipitação asneirenta de Passos


A tragédia que atingiu Portugal em Pedrógão Grande agravou um ciclo político negativo que António Costa já vinha enfrentando e que, pela primeira vez, o desgastava, mas do qual começou a sair graças ao próprio Passos Coelho.

Os principais efeitos políticos negativos da catástrofe estão para chegar, sendo inevitável que haja consequências, e não propriamente por causa do ordenamento do território, que é culpa de todos os governos, do parlamento, das autarquias, das CCDR, de muitos interesses e, em boa verdade, da maioria dos portugueses, que aceitam placidamente o que sabem estar mal. A fatura política, porém, só chegará se houver uma análise serena e rápida do que correu mal no combate ao sinistro, marcado pela desarticulação nas trágicas horas iniciais, possivelmente por falta de meios e por causa de recentes alterações na cadeia de comando envolvida, como resultado de uma dança de lugares por conveniências político-partidárias.

Há, de facto, uma quantidade enorme de responsabilidades a determinar e que inevitavelmente atingirão o primeiro- -ministro e a sua ministra da Administração Interna. A própria ministra já admitiu, numa entrevista-frete tão inoportuna como oportunista, que poderá sair do executivo devido às óbvias falhas ocorridas no terreno e no campo político, e que se traduziram, por exemplo, na perceção tardia que António Costa teve da dimensão do sinistro. Pelo contrário, o Presidente Marcelo percebeu logo o drama e avançou exemplarmente para o terreno. Ora, a falta de reação de Costa é tanto mais inexplicável quanto é certo que ele próprio já foi ministro da Administração Interna. As falhas operacionais têm agora de ser averiguadas a fundo, embora se saiba de antemão que aquilo que é substancial não vai mudar, porque é a floresta com eucaliptos e pinheiros-bravos que dá dinheiro. E não vão ser reuniões entre partidos políticos para português ver que vão mudar o rumo às coisas. Já era bom que não se repetisse o caso de Monchique onde, dez meses depois de outro pavoroso incêndio, ainda ninguém foi indemnizado. Mais: a maioria dos afetados desistiram de tentar receber!

Dito isto, importa sublinhar que os dias horribilis de Costa tinham começado antes de Pedrógão, com duas trapalhadas envolvendo o Porto. Primeiro, a rutura com Rui Moreira, que destratou o PS e o obrigou a atirar Pizarro para uma candidatura basicamente votada ao fracasso. Depois, a controvérsia à volta da candidatura da Invicta a sede da Agência Europeia do Medicamento. Aí, a confusão foi total. Costa tentou emendar a mão e teve o desplante de dizer que preferia, nacionalmente, que ganhasse o Porto, quando a segunda cidade não foi incluída num processo organizado pelo governo e que só previa Lisboa. Não admirava, com este espetáculo, que a agência fosse parar a outro país.

No seu cardápio de maleitas, António Costa juntou ainda problemas recentes com a nomeação de Lacerda Machado para a TAP (neste caso, injustamente) e a periclitante situação do Montepio, uma instituição que vive uma tormenta que pode custar aos portugueses mais uns milhões que Vieira da Silva pretende ir esmifrar à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, como se a vocação da instituição fosse salvar bancos, e não ajudar os desvalidos. Tudo isto, em parte, porque precisamente aquele ministro não exerceu o seu dever de cotutela sobre o Montepio.

Como se não bastasse, o primeiro-ministro sofreu ainda outro abalo com o caso meio tétrico meio burlesco da nomeação de um chefe das secretas que tinha à vista uma fragilidade tão grande que o impediu de tomar posse. Vá lá que alguém se encarregou de explicar à criatura que era melhor desistir por suposta decisão pessoal.

Este inesperado quadro geral negativo ocorreu quando as sondagens apontavam para uma espécie de solstício de verão político para António Costa, cujo PS atingia os píncaros com intenções de voto a rondar 40%, enquanto o PSD se ficava pelos valores mais baixos desde há muito. Ganha agora relevância analisar os próximos estudos, sobretudo quando se aproximam as autárquicas.

No entanto, importa considerar que António Costa continua com trunfos importantes, como o beneplácito da imprensa e o controlo firme que exerce sobre os seus parceiros na geringonça, que se limitam a assegurar os serviços mínimos de crítica. Melhor ainda: beneficia de uma oposição de direita fragilizada pelo seu passado e errática (como se viu com Passos a ir a correr de forma oportunista atrás de boatos sobre um alegado suicídio na zona de Pedrógão Grande). Essa fragilidade geral da oposição permitiu imediatamente a António Costa retomar alguma iniciativa junto do país real que, mesmo que lhe impute falhas recentes e graves, não deixará de lhe atribuir o grande mérito da atual recuperação económica e da visão positiva do futuro. Embora aí já tenha de partilhar o mérito com Mário Centeno que, qual Ronaldo, pode um destes dias querer voar para outro destino, o que seria um problema complicado de ultrapassar.

 

Jornalista