Sim, conversa inconsequente. Um “cata–ventismo” dialético em que os fins justificam todos os meios, as posições mudam em função das circunstâncias e a crença na narrativa sobrepõe-se à realidade vivida e dos sinais.
Tendo estado na primeira linha do combate político ao governo PSD/CDS, depois de não ter chamado a troika nem ter responsabilidades legislativas nesse quadro, tendo tido oportunidade de criticar o governo de Passos e Portas pelos processos de privatizações, alguns inscritos no memorando por ilustres socialistas, pelas confusões entre política e negócios e pela débil defesa do interesse estratégico nacional, não há convicção nem cara para defender a mixórdia que é a nomeação do dr. Diogo Lacerda Machado para o conselho de administração da renacionalizada transportadora aérea portuguesa. Parece que não há vergonha nem conflito à luz da lei, fundamentos quanto bastem para que se faça agora o que foi criticado no passado. A mixórdia só acontece porque nunca houve nem há, em Portugal, uma clarificação sobre o que são cargos de nomeação política, em que a confiança partidária ou a proximidade de alguma ordem aos titulares de cargos políticos têm relevância de fundamento para a indicação. A conveniência da opacidade e da efetiva inércia, mesmo no quadro do ridículo passe-vite de pseudotransparência da CReSAP, criada por Passos e Portas para dar um ar de despartidarização da administração pública, é uma evidência. Não havendo clareza, há discricionariedade e falta de vergonha. Como dizia alguém com responsabilidades de liderança no governo: “Não tenhamos dúvidas: se pensarmos como a direita pensa, acabamos a governar como a direita governou.”
Este é um território fértil para os servidores do Estado que pululam na órbita dos vários governos com a capacidade para estar nos processos e estar, depois da solução, na situação, para fazer um parecer num sentido e em sentido contrário se mudarem os humores dos poderes e tantos outros malabarismos na fronteira da legalidade, mas em profundo vermelho na cotação da transparência, da ética e do bom senso.
Nesta como em tantas outras matérias, a direita não tem um pingo de autoridade moral ou política e as esquerdas à esquerda do PS bem podem deixar de fazer o papel ridículo e inconsequente do “eu avisei”, “eu discordei” ou outras expressões que mais não são do que simulacros de divergência. Nesta como noutras matérias, se discordam, devem atuar em conformidade. Não é assim que fazem com o que julgam ser verdadeiramente importante, por exemplo, na negociação dos Orçamentos do Estado ou nas depurações conclusivas dos grupos de trabalho sobre os grandes temas da governação e do país. É muita conversa inconsequente para apoiantes e eleitores verem. Apoiar uma solução governativa é ser crescidinho o suficiente para assumir as responsabilidades políticas dessa opção.
Por exemplo, o que têm a dizer sobre a divergência de 40 milhões de euros a menos entre o que foi dito e o que foi apurado pelo Tribunal de Constas como resultado do Plano Especial de Redução do Endividamento ao Estado (PERES) em 2016?
Com as importações a disparar 10,8% e as exportações de bens, excluindo os combustíveis e os lubrificantes, a diminuírem 2,3% em abril, num agravamento de 500 milhões do défice comercial, há mesmo margem para continuar a reivindicar sem cuidar da sustentabilidade do que se dá?
Estão confortáveis com a austeridade light que exala das cativações e dos adiamentos de pagamentos dentro e fora da estrutura do Estado?
Num contexto de grande relativização, em que até o parlamento se balanceia em neopopulismos, consagrando a quente novos e velhos heróis da nação, não será de estranhar que quem apoia conteste por interposta entidade, vide a proliferação de impulsos sindicais, e que, na abordagem às dinâmicas internacionais, a expetativa seja vítima das narrativas políticas convenientes. Em 2015, uma derrota foi transformada em vitória. Em 2017, a derrota de James Corbyn no Reino Unido é também transformada em quase vitória. O problema é que a expetativa de 2015 era, a contar com as circunstâncias, uma vitória em passeio, e a expetativa de 2017 era, apesar das circunstâncias, uma derrota incontornável. Há circunstâncias para todos os gostos. Cumbersas, para quem quiser ir nelas. Nas conversas ou nos silêncios, por exemplo em relação à Venezuela, à Coreia do Norte e outras realidades que incomodam o acervo ideológico.
Notas finais
Papagaio louro. Não sei de que forma foi defendido o interesse nacional e dos portugueses residentes no Brasil com as notícias plantadas na comunicação social sobre a realização ou não de um contacto institucional do Presidente da República e do primeiro-ministro com o presidente do Brasil, Michel Temer, por ocasião das comemorações do 10 de Junho em São Paulo e no Rio de Janeiro. A garotice e deselegância das notícias só podiam dar em cancelamento de qualquer encontro. Usou-se um critério aquando dos Paraolímpicos do Rio, em que Costa esteve com o recém-empossado Temer, mas agora tudo mudou.
Catatuas. É manifesta a dificuldade em afinar discurso político. À esquerda, falam como se não fossem o garante do governo. À direita, falam como se não tivessem estado no governo e, por vezes, fazem-no como se ainda lá estivessem. Parecem catatuas, tal é a repetição da conversa.
Parecem bandos de pardais. A par da euforia, instalou-se uma espécie de frenesim discursivo e de iniciativa em que grupos se agitam em círculos, em defesa dos seus ninhos. Tudo porque a decisão política em Portugal carece de transparência. Agora é a candidatura a acolher a sede da Agência Europeia do Medicamento em Lisboa; antes, o Montijo como Portela+1. Decide-se sem tornar claros os requisitos e os custos das opções, e dá nisto. Tirar a Força Aérea da base do Montijo custará 372 milhões de euros.
Militante do Partido Socialista
Escreve à quinta-feira