O tempo que corre é mais de autárquicas do que de legislativas. No entanto sabe-se que, mais ou menos freguesia e câmara, as locais são aquelas eleições em que, na noite das contas, todos reclamam vitórias, dada a possibilidade de fazer falar os números e os mandatos conforme der jeito a cada um. Desta vez, com o regresso de dinossauros vestidos de independentes e de candidatos resultantes de cisões partidárias, há mais razões do que nunca para os resultados serem uma confusão e não afetarem o governo e o acordo que o sustenta.
Porventura mais frágil pode vir a ser a posição da liderança do PSD, mas basta, por exemplo, que Passos assegure a presidência da Associação Nacional de Municípios para se autoproclamar vencedor da noite.
Perante este quadro, e apesar de estarmos a meio da legislatura, talvez não seja inoportuno analisar (ou especular) sobre as legislativas, na perspetiva, claro, de que ocorrerão no calendário previsto, ou seja, daqui a dois anos, o que, desde logo, seria um trunfo político notável para os signatários da geringonça.
Objetivamente, a realidade atual, com base até nas sondagens conhecidas, aponta para uma aproximação do PS a uma maioria absoluta. Há estudos que dão os socialistas claramente acima dos 40% e colocam o PSD dramaticamente abaixo do patamar dos 30%, sendo os restantes 30% repartidos por Bloco, PCP/Verdes, CDS e alguns movimentos mais pequenos. É verdade que são projeções e que estamos longe da ida às urnas, podendo haver muitas surpresas no caminho, tanto boas como más. Foi o que se viu quando se esperava que António Costa triunfasse nas legislativas, mas acabou por ficar inesperadamente atrás do PSD, dando origem à milagrosa aparição da geringonça, que o salvou.
Quando recentemente foi confrontado com a hipótese de uma vitória por maioria absoluta, o líder socialista apressou–se a dizer que, se tal acontecesse, não deixaria mesmo assim de contar com bloquistas, comunistas e respetivos parceiros. Costa viu bem o problema porque sabe de antemão que, perante esse cenário, os seus parceiros atuais saltariam fora, com o pretexto de que o PS teria finalmente condições para governar sozinho. E isso seria um presente envenenado e perigoso, pois o que sustenta Costa não é só o sucesso da política económica, que um outro governo racional, desde que não maníaco da austeridade recessiva, conseguiria igualmente, dada a conjuntura potencialmente favorável que se desenhava e que o atual executivo soube desenvolver inteligentemente. Aquilo que, na verdade, se constituiu no grande trunfo da governação Costa é a paz social e o espírito de diálogo resultante da influência do PCP nas organizações sindicais, nomeadamente na área pública. Para esta acalmia também concorreu fortemente o Bloco, que impôs uma agenda política que satisfaz minorias e franjas da população mais desfavorecida, nomeadamente os mais jovens e os mais velhos, que não estão propriamente organizados. Há, no entanto, quem faça notar que nas últimas semanas se tem assistido a uma tensão inabitual. É um facto, mas é a chamada fruta da época, que tem a ver com a preparação do Orçamento do Estado, o fim do ciclo escolar e a pré–campanha autárquica. O mesmo acontecerá, possivelmente com maior impacto, quando se aproximarem as legislativas. Uma análise objetiva manda dizer que o clima social atual nada tem a ver com o que sucederia com governos de direita ou do PS sozinho. E também não tem semelhança com a conflitualidade que se vive um pouco por toda a Europa, o que é um fator fundamental para os investidores, para quem a tranquilidade e a estabilidade se sobrepõem à ideologia.
Com tudo isto, temos assim o estranho caso de um primeiro-ministro para quem (ao contrário do aparelho do seu partido) uma maioria absoluta pode ter um efeito perverso altamente inconveniente. No caminho até às legislativas teremos a circunstância bizarra de olhar para um António Costa a quem, no fundo, uma maioria absoluta traria quotidianamente mais problemas do que soluções.
Para o líder socialista, o resultado ideal seria bater o PSD em votos e mandatos e poder fazer maioria com o PCP, os Verdes, o BE e até com o PAN se fosse possível, ao jeito do celebre deputado limiano. Seria um exercício de equilíbrio permanente, arte na qual António é um verdadeiro mestre. Aí, não há quem o bata. Veja-se que na semana passada até conseguiu fazer uma cimeira com a Espanha sem falar de Almaraz e afirmar, sem se rir, que o assunto estava tratado. É verdade. Está tratado como sempre esteve. Os espanhóis ficam com a energia e nós com os perigos de contaminação.
Jornalista