Este fim de semana estava a ver um filme que se chama “Contágio” (era um daqueles filmes em que, pelo título, percebemos exatamente o que irá acontecer – um vírus altamente contagioso que se entranha na sociedade e mata, impiedosamente, milhões de pessoas num curto espaço de tempo –, mas que mesmo assim nos prende ao sofá) e fiquei com a palavra “contágio” na cabeça, usando-a para tudo, até para este texto. Não sei se já vos disse, mas tenho um hábito estranho. Normalmente, todas as semanas tenho uma palavra nova pela qual me apaixono e que utilizo em excesso. Nunca me tinha apercebido disso até que, há pouco tempo, o Tiago me alertou que já não podia mais ouvir a palavra “leguminosas”.
“Temos de comer mais leguminosas”, “ontem comprei leguminosas”, “a tua camisola faz-me lembrar uma leguminosa”. Se gosto do som, do tamanho da palavra e se lhe acho graça, faço dela a minha palavra predileta. Sou assim quando gosto muito de algo. Fico focada e cega. E, agora, a palavra da semana é “contágio”.
Como entrou ela na minha vida?
Neste fim de semana, depois de vermos o filme, saímos de casa e fomos procurar um sítio onde se pudesse dançar. Ai!… Fossem as danceterias do nosso tempo e era ver-nos gastar os domingos a dançar das quatro da tarde até à hora de jantar! (Tenho alma de velha, isso já vos contei.) Entusiasmados, esbarrámos num aparente local perfeito. Tocámos à campainha (eu já a imaginar que sairia dali uma bailarina a fazer pontas) e apareceu-nos à porta o ser mais mal-humorado e mal-educado do mundo. Nem queríamos acreditar. Péssimo tom de voz, má vibração, olhar cortante – faltava-lhe a vassoura e o chapéu e era o dia em que eu teria visto uma bruxa de verdade, ao vivo e a cores. Mesmo assim, tentámos fazer todas as perguntas que queríamos com a maior calma possível, mas a conversa foi curta e rápida – sou de Fátima mas ainda não sou santa. “Obrigada e adeusinho”, dissemos-lhe, enquanto a porta se fechou num ápice, connosco decididos a voltar para casa rapidamente – mas agora a maldizermos as cargas negativas que habitam por cá.
De repente, claro que começou a chover. Procurámos abrigo debaixo de umas obras, agora mais chateados do que nunca. Resmungámos um com o outro por causa de uma parvoíce qualquer e corremos para casa, onde chegámos cansados e molhados. Até que, ao entrarmos no nosso pequeno santuário, nos apercebemos de uma coisa: tínhamos sido contagiados (voilà). O nosso bom humor tinha ido pelo cano abaixo, a chuva apareceu para aprimorar o cenário, eu tinha–me chateado – e tudo isto porque o vírus estava lançado.
A má energia pega-se. Eis o poder do contágio Digo-vos que, apesar de estarmos conscientes da energia que emanamos na maioria das vezes, no meio do excesso de estímulos quotidianos, acabamos por nos descuidar. E sempre que nos distraímos e não estamos atentos ao que sentimos e ao que os outros nos fazem sentir… dá asneira. É tão fácil ser e transmitir má energia. Basta um sopro, uma palavra, um olhar, um momento. Somos construtores e destruidores da realidade que nos rodeia.
Em prol da nossa paz interior, cá em casa (tentamos) seguir uma regra preciosa: podemos não ter as almofadas do sofá alinhadas religiosamente, as meias quase nunca casam com o par que lhes estava destinado, os chinelos às vezes escondem-se debaixo dos móveis, mas há uma coisa que procuramos manter limpa, cuidada, sã: a energia que aqui vive. Só aqui entra quem nos quer bem e quem faz bem ao mundo. Porque a nossa pequena casa é o nosso templo. Porque, para nós, o lar é o espaço protetor dos sustos do mundo. Não são apenas quatro paredes que nos abrigam do sol e da chuva, é o espaço onde tu és tu, onde o silêncio vem quando tu quiseres, onde a alma sossega. Mas, neste dia, o ponto da situação era o seguinte: estas duas almas que estabeleceram essa regra estavam com uma má energia que não se podia aguentar mas, efetivamente, ficar na rua sempre não era uma boa opção. Por termos noção de que estávamos contaminados (e se nada fizéssemos, certamente o resto do dia não iria correr bem), da mesma forma que limpámos os pezinhos antes de entrarmos, também nos mentalizámos que era importante fazer cumprir a regra:
“Psiu, má energia cá em casa não entra.” Respirámos fundo, fizemos silêncio durante um tempo e, quando o silêncio bastou, brincámos e rimos das nossas coisas parvas. Porque cá em casa, o que não presta fica à porta.
Termino este texto a lançar um desafio: acho que poderíamos ter esta norma noutros locais. Imaginem o que seria se, antes de entrarmos num quarto de hospital, a enfermeira nos alertasse para desinfetarmos as mãos, colocarmos a máscara e respirarmos fundo dez vezes de olhos fechados, meditando cinco minutos, para que a nossa cabeça entrasse limpa e a energia emanada fosse saudável. Imaginem o que seria se estivesse definido que só se poderia visitar um doente internado quem não trouxesse uma expressão e uma carga negativa ou um coração fechado. Imaginem o que seria se o visitante tivesse sempre esse cuidado. Imaginem o que seria se preveníssemos o contágio.
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