“A Europa não pode mais confiar totalmente nos seus aliados de longa data, Inglaterra e Estados Unidos da América” – a frase é da chanceler alemã numa ação de campanha em Munique, depois de duas reuniões dececionantes do G7 e da OTAN. Está em campanha, é certo, e por isso devemos dar um desconto na ênfase dada ao discurso, mas não deixa de ser um facto que a Europa não é (nem nunca foi) uma prioridade nas agendas daqueles dois países.
Em rigor, no que toca ao Reino Unido, verdadeiramente nunca estiveram totalmente envolvidos no projeto europeu. Mantiveram sempre um pé dentro e outro fora, aceitaram umas regras mas outras não, bloquearam avanços federalistas mas incentivaram alargamentos a leste que apenas enfraqueceram os processos de decisão. E agora? Agora saltam fora deixando para trás uma manta de retalhos que alguém terá de se encarregar de urdir.
Há uma cena da velhinha série “Sim, Senhor Ministro”, de Sydney Lotterby, que caracteriza, de forma hilariante, a estratégia de entrada do Reino Unido na União Europeia. É fácil encontrar no YouTube, basta procurar “Yes Minister – Why Britain Joined the European Union”. De forma sintética, a posição do Reino Unido foi sempre a de “nim”. Quiseram estar dentro porque eram contra, e estando dentro é mais fácil bloquear e destruir. Foi o que fizeram.
No que diz respeito aos EUA, a visão é agora meramente comercial. Na verdade, sempre foi. Era apenas atenuada, aqui ou ali, por momentos puramente estratégicos de obtenção de apoio para ofensivas militares no Médio Oriente ou contenções ideológicas a leste da Europa. Mas ainda assim, com outras administrações, houve espaço para amplos consensos e acordos de benefício mútuo. Com Trump, a Europa é um punhado de gente com líderes que despreza e afasta ostensivamente, de forma rude e selvagem, para aparecer na primeira linha de uma fotografia. Os EUA privilegiam as relações económicas com o berço do islão mais radical em detrimento de uma Europa moderada e progressista.
A afirmação de Dame Merkel faz todo o sentido, mas peca por tardia e, honestamente, só é dita agora porque a situação se tornou insustentável, mas, acima de tudo, porque a economia alemã tem de se recentrar e assumir o espaço que o Brexit vai (ou está) a deixar. Não acredito no Pai Natal nem a Dame Merkel é a Joana d’Arc, até porque o Reino Unido (aparentemente) sai da Europa pelo seu próprio pé.
A frase da chanceler abre um período de estado de graça na Europa. Marcelo já lhe seguiu o mote e outros seguirão. Vai reinar a paz, a harmonia, a solidariedade e renasce a esperança de uma nova Europa unida, centrada em si mesma. Tudo muito bonito, mas cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém. Em política, não acredito em voluntarismos altruístas. A reboque da renovada esperança lançada por Merkel vem, certamente, uma agenda muito própria. Nada contra! É política e é a defesa do interesse nacional alemão. Mas é bom que não nos deixemos embalar por esta sinfonia n.o 9 de Beethoven. É importante que nesta redefinição do equilíbrio de poderes europeu, Portugal defina uma estratégia que assegure equidade e igualdade no processo de decisão. Que conquiste espaço para as empresas portuguesas, que construa pontes e, sobretudo, que não se deixe vender, como no passado, por subsídios que matem o que de excecional se fez nos últimos anos no nosso país.
Não é só a Europa que tem de acordar para a vida. Somos nós, enquanto parte integrante deste projeto, que não podemos deixar–nos adormecer.
Escreve à quinta-feira