O orçamento da União Europeia, financiado pelos contribuintes europeus, cujo objetivo deverá ser a melhoria das condições de vida daqueles, não pode continuar a perigar, ao nível da responsabilização pela sua saudável execução, ante aqueles que utilizam abusivamente o dinheiro de todos. Presume-se, que os casos fraudulentos, nas receitas e despesas, representem anualmente cerca de 600 milhões de euros, podendo supor-se que o montante real seja ainda mais elevado, dado não haver notícia de todos os casos.
É, portanto, legítima, a expectativa que os cidadãos da União Europeia depositam, no sentido de verem ser encetadas medidas de luta preventivas e reativas, contra atividades ilegais que ponham em causa os seus interesses financeiros. De acordo com as sondagens do Eurobarómetro dos últimos anos, o incremento da capacidade da União, de combate à criminalidade, está consecutivamente no topo, das preocupações dos cidadãos europeus.
No sentido da consolidação da confiança pública europeia, sobre a correta utilização do dinheiro, desde há vários anos que as instituições europeias, desenvolvem mecanismos legais e operacionais convergentes ao denominador comum. Ainda no contexto do Tratado de Maastricht (Tratado da União Europeia), entre 1995 e 1997 foram aprovados os primeiros recursos relevantes, de uma base comum em matéria de proteção penal dos interesses financeiros da União, denominados “instrumentos PIF”.
De lá, aos dias de hoje, a evolução foi penosa, pouco expressiva ao nível dos resultados (como bem atestam, as insuficientes ratificações daqueles instrumentos, pelos Estados-Membros), mas por outro lado, incrementada, no que ao alinhamento de conceitos e legislações diz respeito, fator este fundamental a qualquer avanço materializável. Reconhecendo a urgência de passos definitivos, no combate à criminalidade económico-financeira da União, surgiu em 2001 a primeira Diretiva, que visava a proteção dos fundos da União Europeia, com recurso ao direito penal, beneficiando da vantagem de constituir legislação comunitária formal, ao invés do que até ali sucedera.
No entrementes, a discussão em torno da criação, por vários Estados-Membros,através de um processo de cooperação reforçada, da Procuradoria Europeia, organismo europeu independente com autoridade, sob certas condições, para investigar e intentar ações judiciais em caso de fraude em detrimento da UE e de outras infrações lesivas dos interesses financeiros da União, e prevista nos Tratados, desde 2009, tem vindo a retardar o processo. Portugal, porém, sai incólume desta culpa, pois faz parte da pool inicial, de dezasseis Estados-Membros, que subscreveram a carta de notificação às três instituições europeias, que comunica a intenção de instituir aquela entidade.
No passado dia 25 de abril, o Conselho Europeu aprovou nova Diretiva, fundada no artigo 83º (nºs 1 e 2), do Tratado de Funcionamento da União Europeia (a aguardar votação no Parlamento Europeu), que quando for transposta para a ordem jurídica nacional, constituirá, por certo, um instrumento fundamental na melhoria da ação penal e consequentes sanções a aplicar, no que respeita aos crimes lesivos das finanças da UE, desde logo no que respeita à recuperação de fundos, indevidamente gastos.
Assim se espera.
O escopo fundamental daquela Diretiva, manifesta-se na previsão de regras comuns de abordagem, às infrações lesivas do Orçamento da UE. Estas infrações, incluem os denominados “eurocrimes”, que correspondem a casos de fraude, e outros crimes conexos, como a corrupção ativa e passiva, a apropriação ilegítima de fundos, o branqueamento de capitais e os casos graves de fraude ao IVA transfronteiras, quando ultrapassarem o limiar de 10 milhões de euros.
Também ao nível processual formal, a previsão de regras mínimas, sobre os prazos de prescrição, dentro dos quais os casos têm de ser investigados e as ações penais instauradas, ou as relativas às sanções (que se reclamam efetivas, proporcionadas e dissuasivas, e delimitadas em consonância com o espetro, que os princípios gerais do direito penal pressupõem), que incluem a possibilidade de penas de prisão para os casos mais graves, asseveram os pilares de segurança jurídica, contribuindo para a consolidação de um direito penal europeu coerente que, acautelando as medidas de proteção de suspeitos, acusados e vítimas, promova a qualidade da Justiça.
Ignorando-se ainda as consequências dogmáticas, políticas e práticas desta iniciativa, no contexto work in progress em que ainda está a edificação do direito penal europeu, parece-nos suficientemente estabilizada a premissa que, combater o ilícito global, com soluções apenas locais, é, definitivamente, uma estratégia votada ao insucesso.