A caminho de uma bolha imobiliária?


O ciclo inflacionista atual ainda deve durar uns tempos, mas esta conjuntura não é eterna


1) Certos especialistas em investimento imobiliário (não confundir com promotores) admitem a hipótese de estarmos a construir uma bolha que pode rebentar dentro de dois ou três anos. Explicam que as bolhas imobiliárias ocorrem recorrentemente e, por vezes, cerca de oito anos após uma recessão forte, ou seja, a partir do ponto em que o ciclo de uma retoma atinge o seu auge, antecedendo nova fase de perturbação económica. Se fizermos as contas em relação a Portugal, o raciocínio aceita-se.

A crise mundial de 2008 atingiu-nos em cheio em 2009/10 e a depressão seguiu–se durante o período da troika, havendo leve retoma a partir de 2015, seguida agora de um ciclo de crescimento positivo que deve prolongar-se, como ficou patente pelas notícias otimistas de ontem a respeito da saída do procedimento por défice excessivo.

A partir de 2012/13 iniciou-se entre nós um ciclo de compra e recuperação para revenda de casas para habitação e para turismo local, por parte de alguns promotores de pequena e média dimensão. Juntou-se a isso a oferta de vistos gold para facilitar a instalação de falsos residentes, mediante a compra de casas a partir de meio milhão de euros. Este último movimento dinamizou o mercado de habitações mais luxuosas, que estava parado.

Somou-se ainda a existência de subsídios para recuperação, legislação facilitadora do alojamento local e a falta de casas para jovens, cuja mentalidade e, sobretudo, cujas posses também os desviaram da aquisição de casa para a vida, dinamizando um mercado de aluguer precisamente quando os bancos tinham deixado de emprestar para a compra, apesar de os juros estarem historicamente baixos. Paralelamente, Lisboa e o Porto passaram a estar na moda, o que, juntamente com as facilidades fiscais para reformados ricos estrangeiros, impulsionou fortemente o mercado das casas de luxo, agora também procuradas por turcos, russos e árabes, além de chineses e outros asiáticos.

Na província e nas zonas-dormitório dos arredores de Lisboa (excluindo, portanto, as mais chiques), a pressão dos preços ainda não se sente muito, mas nota-se uma subida gradual devido à inflação das zonas centrais. Já nas cidades da província, o fenómeno está longe de poder ser comparável, salvo nas de interesse turístico.

O mercado da reconstrução tem sido procurado por gente da classe média portuguesa que considera perigoso ter o dinheiro nos nossos bancos (pessoas lúcidas, portanto) e pelos citados estrangeiros.

Os compradores recorrem, em regra, a capitais próprios, o que é bom e injeta dinheiro na sociedade. Mas, nesta fase, já há tanta construção e está tão cara que não chegam as poupanças para financiar as aquisições, pelo que a banca nacional (agora com alguma folga) e até internacional começou a emprestar. Sem hipótese de alugar, os jovens voltaram outra vez a optar pela compra, endividando- -se por muitos anos.

Os portugueses funcionam por ciclos. Dona Branca, compras de ações catastróficas, fundos de investimento perigosos, croissanterias, pizzarias, hamburguerias, “sushirias”, tuk-tuks, casas de costura e lavandarias são algumas provas disso. O problema é que, ao contrário dos outros negócios, a construção civil ou mesmo de obras públicas acarreta problemas para toda a coletividade quando corre mal. Cuidado, portanto, sobretudo para quem comprar tendo de recorrer a crédito. Os outros, que pagam a pronto, também correm riscos, mas os muros sempre ficam lá para os filhos e os netos, mesmo que desvalorizados.

2) Semanalmente, Vieira da Silva debita ideias para supostamente reformar a Segurança Social (SS) e a economia social. Um dia põe a circular que a Santa Casa deveria entrar no Montepio, embora se furte a futuras responsabilidades, proclamando que a decisão não é ministerial. Noutro dia faz sair notícias sobre a hipótese de existirem reformas em part-time. Depois admite a insustentabilidade do sistema e deixa correr a hipótese de se ir buscar receita ao lucro de empresas que tenham poucos trabalhadores e grandes ganhos. É uma vasta panóplia de opções, todas em discussão entre sábios. Curiosamente nunca se ouviu uma proposta de segurança social para os portugueses que trabalham em países onde não há sistemas de reformas (Médio Oriente e Ásia) e que podem ficar sem rede quando regressarem. Entretanto, Vieira da Silva nunca apresenta soluções para as duas coisas mais necessárias: a garantia de que o dinheiro dos descontos só deve servir para pagar reformas e apoiar os verdadeiramente necessitados por incapacidade ou desemprego, e uma reforma do atendimento da SS. Quem quer informações dá em doido. Os telefones diretos são quase inacessíveis. A Caixa Nacional de Pensões leva semanas para atender os cidadãos e dispõe de uns minutos para cada um. Nos serviços da SS, a informação é imprecisa, lenta e, muitas vezes, incompetente. Foi até noticiado que os funcionários beneficiam de uma dispensa de 12 dias por ano dada pela porta do cavalo. É caso para dizer que o que se espera é menos conversa, menos internet e mais apoio efetivo, com gente que explique, saiba do que fala e esteja lá.

 

Jornalista