Cantar de galo


Naturalmente, associei-me aos milhões de pessoas que respiraram de alívio com o desfecho das eleições francesas. A minha dúvida é apenas uma: o que nos aliviou? Foi a vitória de Macron ou a derrota de Le Pen?


É que faz toda a diferença a perspetiva que tomamos para avaliar os resultados. E sobre estes permitam-me salientar o resultado da abstenção, que foi de 25% – a percentagem mais alta desde 1969 mas, ainda assim, metade da que se registou em Portugal em 2016. Mas adiante, voltemos à formulação inicial: ganhou Macron ou perdeu Le Pen?

Olhemos para o número de eleitores. Macron obteve pouco mais do dobro dos votos de Le Pen, o que, em termos absolutos, representa 20,75 milhões contra 10,64 milhões. É bom? É, mas ganha outra dimensão quando nos fixamos nas percentagens: 66,1% contra 33,90%, respetivamente. É que 66% engrossa mais a vista que 20 milhões, ao mesmo tempo que 33% não impressionam tanto quanto 10 milhões.

Por outras palavras, um Portugal inteiro votou em Le Pen. Não é uma gota de água numa população de 66 milhões. Mais: não é uma soma de agregação de tendências. São votos diretos e conscientes! Quem votou em Le Pen não estava a votar contra Macron. Fê-lo por convicção! Já o contrário não podemos dizer, nem fazer a mesma leitura. Os mais de 10 milhões de Le Pen são votos convictos na Frente Nacional ou, no mínimo, uma grande parte deles são, sendo uma pequena franja oriunda de uma direita (porventura) menos radical. Por isso, este respirar de alívio generalizado parece-me amplamente inflado e não me tranquiliza minimamente!

É muita gente a acreditar nas 144 propostas de Le Pen. São mais de 10 milhões a exigir a recuperação da soberania “monetária, legislativa, territorial e económica” de França (nas palavras de Le Pen). A querer sair do euro e regressar ao franco! A abandonar Schengen. São milhões a gritar “Frexit”.

São muitos que concordam com a redução do número de entradas de estrangeiros em território francês; a quererem uma “taxa adicional na contratação de trabalhadores estrangeiros”; a quererem travar os imigrantes de trazerem os seus familiares; a quererem restringir o pedido de asilo a partir do país de origem; ou a quererem a supressão do direito de solo.

São demasiados a quererem inscrever na Constituição a “prioridade nacional”, dar prioridade aos franceses no emprego. A acreditarem num “protecionismo inteligente” e num “patriotismo económico” que liberte as empresas francesas dos “constrangimentos europeus”. 

Não acredito que estes muitos milhões tenham votado em Le Pen em virtude da única proposta não demagoga: a reforma administrativa para a eliminação de regiões administrativas e a redução do número de deputados e senadores. Por isso, temo que se esteja a cantar de galo e que, se ignoradas, as senhoras Le Pen desta Europa continuem a crescer aos poucos. E que, iludidos por percentagens, continuemos a não ver o elefante no meio da sala.

 

Escreve à quinta-feira