Numa deslocação recente a um país dos Balcãs ouvi, de uma jovem magistrada, uma frase enigmática:
“Não sabes a sorte que tens por poder viver num país normal.”
Como acontece em muitas conversas com vários interlocutores, em que se cruzam discursos e se sobrepõem temas, acabei por não ter oportunidade de esclarecer o sentido daquela afirmação.
Antes, havíamos já falado da instabilidade política que ali persiste, das suas causas recentes e remotas, da convivência difícil, mas inevitável, entre povos com religiões e idiossincrasias distintas, das intrusões externas e interesseiras que impedem uma convivência normal entre eles e entre estes e os povos dos países vizinhos.
No fundo, faláramos de tudo o que caracteriza o ambiente dos Balcãs.
Conversáramos também sobre os esforços de reformulação dos sistemas de justiça nos países da região, das absurdas imposições de modelos de inspiração norte-americana nos novos códigos de processo penal, que acabam, assim, por afastar os sistemas de justiça desses países da matriz europeia que sempre cultivaram, da preparação dos novos magistrados, da insuficiência de quadros para dar corpo a tais modelos processuais e judiciais, enfim, da leviandade com que, por vezes, tais reformas são implementadas.
Faláramos ainda da história de Portugal, da estabilidade das suas fronteiras, da homogeneidade cultural da maioria dos seus cidadãos, mesmo daqueles oriundos das antigas colónias, da capacidade que o seu povo teve para resolver uma situação política que ameaçava a instabilidade do país, da facilidade de integração que os portugueses têm… sei lá, de tanta coisa que nos ia desatando as palavras.
Contara eu, além disso, a minha experiência na Holanda e as características da vida nesse país.
Por tudo isso, não consegui depois compreender a que país ela, de facto, se queria referir e qual o alcance daquela afirmação.
Viver num país normal e poder viver uma vida normal constitui, porventura, o sonho da maioria das mulheres e dos homens de qualquer país.
Definir o que é um país normal parece, contudo, mais difícil.
Isto, mesmo se nos abstrairmos das contingências dramáticas da vida em muitos países dos Balcãs, para não falar das tragédias que se vivem no Afeganistão, no Iraque, na Síria, na Venezuela e na própria Turquia.
Sempre sobram, porém, outras questões que, se sobre elas refletirmos bem, nos interpelam sobre o que possa ser um país normal.
Será normal um país com um fosso desmesurado entre ricos e pobres?
Será normal um país ainda com um nível de pensões excessivamente baixo?
Será normal um país com uma elevada percentagem de desemprego jovem?
Será normal um país com um nível de iliteracia ainda elevado?
Será normal um país onde subsiste, em muitos sítios, o caos urbanístico e condições habitacionais degradantes?
Não pude expor estas questões à minha interlocutora mas, de alguma maneira, quase posso adivinhar a sua resposta.
“Sim, tudo isso é importante, mas…
Normal será, por certo, um país em que, independentemente das diferenças sociais e de opinião, a maioria dos cidadãos consegue identificar os problemas que a sua sociedade mostra ter e conjugar-se, sem preconceitos culturais e xenófobos, para os resolver – porventura até com projetos políticos diferentes.
Normal será, ainda, um país onde a questão étnica ou religiosa não determina a definição do estatuto de cidadania e em que a relação com os países vizinhos e os seus povos não é envenenada diariamente pela intromissão criminosa de interesses externos.”
Será assim?
Escreve à quarta-feira