O presidente Macron é uma criação de Marine Le Pen


Foi Marine quem iniciou o discurso de rutura com o sistema partidário, contra a perda de influência da França na União Europeia.


1. A eleição presidencial francesa (e as reações que suscitou) mostra à exaustão a falta de vitalidade da política europeia. Em condições normais, a vitória de Emmanuel Macron seria encarada como um resultado natural, expectável, senão mesmo uma evidência histórica e empírica. A sua adversária, Marine Le Pen, é uma política experiente, oriunda de um partido de extrema-direita francesa, um partido de franja que nunca exercera cargos de poder na República Francesa – e que tinha contra si o peso da herança das posições políticas censuráveis assumidas pelo seu pai no passado (ainda recente).

2. Sempre que Marine Le Pen pretendeu dar uma guinada ao centro ao longo da campanha presidencial para conquistar a direita gaullista, eis que surgia invariavelmente o patriarca Le Pen a chorar pela memória do bigode de Adolf Hitler. Como já escrevemos no “SOL” (online de sexta-
-feira), a vitória de Macron era tão certa quanto certa era a derrota de Marine Le Pen: um partido de franja só chega ao poder em casos de disrupção económica e social. Ora, a conjuntura histórica que vivemos é de crise e inquietação – mas não de caos e de rutura da ordem social. Comparar as circunstâncias atuais com aquelas que precederam a ii Guerra Mundial é pura brincadeira: hoje, vivemos em crise – não morremos pela (e por causa da) crise.

3. Esta é uma diferença básica sentida pelos cidadãos coevos comparativamente com os nossos antepassados das décadas de 20 e 30 do século transato: apesar de tudo, hoje acreditamos que podemos melhorar, que novos e melhores dias se seguirão; já naquele período histórico, havia a perceção de que a situação era terrível, mas que poderia (e iria) ficar ainda pior, pelo que se impunha conservar o “mau” para evitar o “terrível” – o que levou à afirmação de líderes “caudilhistas” e ao “império da ordem”, mesmo contra o direito. O capítulo seguinte da história é conhecido: os cidadãos europeus aprenderam da pior forma possível que excesso de ordem é tão negativo quanto excesso de desordem…

4. Neste contexto, a interrogação magna da noite eleitoral francesa foi apenas saber a dimensão da vitória de Macron – ou, se preferirmos, a amplitude da derrota de Marine Le Pen. É curioso notar que a análise dos comentadores e dos media do politicamente correto passou mais pela valorização da derrota de Le Pen do que pela valorização da vitória de Macron

5. Conclusão dos media do politicamente correto: o populismo está morto; Marine Le Pen está politicamente acabada; a União Europeia está mais viva do que nunca, nada precisando de mudar. Pois bem, todas estas conclusões são falaciosas, mostrando que há excesso de emotividade e falta de racionalidade no comentário político, em especial no que concerne à avaliação da União Europeia.

5.1 Na verdade, Macron foi eleito com 23,86% dos votos, ou seja, o resultado que obtivera na primeira volta: os restantes 40% que registou ontem não são votos em si, são votos contra Marine Le Pen.

5.2 Em segundo lugar, a vitória de Macron é uma vitória contra o establishment, contra a elite política, contra a corrupção e o desvirtuamento da identidade francesa – neste sentido, Macron está muito próximo de Marine Le Pen. Em termos claros: Macron e Marine são duas consequências do mesmo fenómeno, a descrença dos cidadãos nos partidos políticos tradicionais e na elite dirigente. É tão populista Macron como é Marine: assim, a vitória do ex-socialista é, ainda, uma vitória do populismo.

5.3 Em terceiro lugar, note-se que Macron só existiu politicamente nesta eleição porque já existia Marine Le Pen. Ou seja, caso Marine não tivesse denotado a pujança eleitoral que começou a demonstrar logo nas primeiras sondagens, em 2016, Macron nunca passaria de um resultado modesto, embora honroso, na primeira volta. Efetivamente, quem desbravou o caminho que acabaria, ironicamente, por conduzir Macron à presidência da República Francesa foi Marine Le Pen. Foi Marine quem iniciou o discurso de rutura com o sistema partidário, contra a perda de influência da França na União Europeia, contra a incapacidade dos partidos tradicionais para resolver os problemas da “nação” – discurso esse que Macron soube aproveitar com habilidade. Foi, enfim, Marine Le Pen quem subtilmente implodiu a candidatura do homem que todos já vaticinavam ser o sucessor de Hollande, François Fillon: a divulgação cirúrgica dos alegados atos de corrupção do líder d’Os Republicanos foi gerida com grande mestria pela Frente Nacional. Ora, foi a implosão de Fillon que empolou a candidatura de Macron. Até ao Palácio do Eliseu.

6. Em suma, Emmanuel Macron deve agradecer a Marine Le Pen o ter-lhe proporcionado a eleição como presidente da França. Quanto a Marine, o maior elogio que lhe podem formular é repetir-se que o resultado de mais de 30% por si conquistado é uma “pesada derrota” – ora, será este um resultado pequeno para um partido de extrema-direita? Quem diria que os comentadores acabariam por elogiar Marine tanto e tão sistematicamente como nos últimos dois dias…

Escreve à terça-feira


O presidente Macron é uma criação de Marine Le Pen


Foi Marine quem iniciou o discurso de rutura com o sistema partidário, contra a perda de influência da França na União Europeia.


1. A eleição presidencial francesa (e as reações que suscitou) mostra à exaustão a falta de vitalidade da política europeia. Em condições normais, a vitória de Emmanuel Macron seria encarada como um resultado natural, expectável, senão mesmo uma evidência histórica e empírica. A sua adversária, Marine Le Pen, é uma política experiente, oriunda de um partido de extrema-direita francesa, um partido de franja que nunca exercera cargos de poder na República Francesa – e que tinha contra si o peso da herança das posições políticas censuráveis assumidas pelo seu pai no passado (ainda recente).

2. Sempre que Marine Le Pen pretendeu dar uma guinada ao centro ao longo da campanha presidencial para conquistar a direita gaullista, eis que surgia invariavelmente o patriarca Le Pen a chorar pela memória do bigode de Adolf Hitler. Como já escrevemos no “SOL” (online de sexta-
-feira), a vitória de Macron era tão certa quanto certa era a derrota de Marine Le Pen: um partido de franja só chega ao poder em casos de disrupção económica e social. Ora, a conjuntura histórica que vivemos é de crise e inquietação – mas não de caos e de rutura da ordem social. Comparar as circunstâncias atuais com aquelas que precederam a ii Guerra Mundial é pura brincadeira: hoje, vivemos em crise – não morremos pela (e por causa da) crise.

3. Esta é uma diferença básica sentida pelos cidadãos coevos comparativamente com os nossos antepassados das décadas de 20 e 30 do século transato: apesar de tudo, hoje acreditamos que podemos melhorar, que novos e melhores dias se seguirão; já naquele período histórico, havia a perceção de que a situação era terrível, mas que poderia (e iria) ficar ainda pior, pelo que se impunha conservar o “mau” para evitar o “terrível” – o que levou à afirmação de líderes “caudilhistas” e ao “império da ordem”, mesmo contra o direito. O capítulo seguinte da história é conhecido: os cidadãos europeus aprenderam da pior forma possível que excesso de ordem é tão negativo quanto excesso de desordem…

4. Neste contexto, a interrogação magna da noite eleitoral francesa foi apenas saber a dimensão da vitória de Macron – ou, se preferirmos, a amplitude da derrota de Marine Le Pen. É curioso notar que a análise dos comentadores e dos media do politicamente correto passou mais pela valorização da derrota de Le Pen do que pela valorização da vitória de Macron

5. Conclusão dos media do politicamente correto: o populismo está morto; Marine Le Pen está politicamente acabada; a União Europeia está mais viva do que nunca, nada precisando de mudar. Pois bem, todas estas conclusões são falaciosas, mostrando que há excesso de emotividade e falta de racionalidade no comentário político, em especial no que concerne à avaliação da União Europeia.

5.1 Na verdade, Macron foi eleito com 23,86% dos votos, ou seja, o resultado que obtivera na primeira volta: os restantes 40% que registou ontem não são votos em si, são votos contra Marine Le Pen.

5.2 Em segundo lugar, a vitória de Macron é uma vitória contra o establishment, contra a elite política, contra a corrupção e o desvirtuamento da identidade francesa – neste sentido, Macron está muito próximo de Marine Le Pen. Em termos claros: Macron e Marine são duas consequências do mesmo fenómeno, a descrença dos cidadãos nos partidos políticos tradicionais e na elite dirigente. É tão populista Macron como é Marine: assim, a vitória do ex-socialista é, ainda, uma vitória do populismo.

5.3 Em terceiro lugar, note-se que Macron só existiu politicamente nesta eleição porque já existia Marine Le Pen. Ou seja, caso Marine não tivesse denotado a pujança eleitoral que começou a demonstrar logo nas primeiras sondagens, em 2016, Macron nunca passaria de um resultado modesto, embora honroso, na primeira volta. Efetivamente, quem desbravou o caminho que acabaria, ironicamente, por conduzir Macron à presidência da República Francesa foi Marine Le Pen. Foi Marine quem iniciou o discurso de rutura com o sistema partidário, contra a perda de influência da França na União Europeia, contra a incapacidade dos partidos tradicionais para resolver os problemas da “nação” – discurso esse que Macron soube aproveitar com habilidade. Foi, enfim, Marine Le Pen quem subtilmente implodiu a candidatura do homem que todos já vaticinavam ser o sucessor de Hollande, François Fillon: a divulgação cirúrgica dos alegados atos de corrupção do líder d’Os Republicanos foi gerida com grande mestria pela Frente Nacional. Ora, foi a implosão de Fillon que empolou a candidatura de Macron. Até ao Palácio do Eliseu.

6. Em suma, Emmanuel Macron deve agradecer a Marine Le Pen o ter-lhe proporcionado a eleição como presidente da França. Quanto a Marine, o maior elogio que lhe podem formular é repetir-se que o resultado de mais de 30% por si conquistado é uma “pesada derrota” – ora, será este um resultado pequeno para um partido de extrema-direita? Quem diria que os comentadores acabariam por elogiar Marine tanto e tão sistematicamente como nos últimos dois dias…

Escreve à terça-feira