Desde que a Lei Autárquica veio permitir a apresentação de candidaturas de cidadãos sem necessidade de estarem integrados em partidos que, um pouco por todo o país, se afirmam as candidaturas “independentes”, expressão que tem servido para acomodar as mais distintas semânticas políticas. Certo é que, nas últimas eleições, os “movimentos independentes”, agregadamente, representaram a quarta força política a merecer a confiança dos portugueses. As motivações destas candidaturas são da mais diversa natureza: desde logo, autarcas que, por não terem conjunturalmente o apoio dos seus partidos de origem, encontram no cabimento da lei uma forma de se sufragarem junto dos seus eleitores; outras vezes, estas candidaturas dão espaço de regresso a essa espécie de políticos que teimam em resistir à sua extinção, os dinossauros autárquicos, que, saudosos dos tempos idos, insistem em fazer dos seus concelhos museus vivos da história natural. Mas as candidaturas independentes também têm sido exploradas pelos partidos, e não apenas pelos seus personagens do Jurássico. Com o acentuar da crise da partidocracia, alguns partidos, sobretudo os que se habituaram a alternar no exercício do poder, viram nos candidatos independentes um bom meio para mitigarem o declínio e perda de relevância em inúmeras comunidades locais, numa mera lógica de exercício do poder. O episódio em torno da candidatura independente de Rui Moreira (RM) à autarquia do Porto vem provar que se, por um lado, a esfera partidária e aparelhística a tudo se agarra para continuar a pairar no ar, por outro lado, nem todos os partidos compreenderam como se devem relacionar com o novo quadro político emergente, que não tem nos movimentos independentes apenas barrigas de aluguer para alojar forças políticas com dificuldades de se fertilizarem junto dos eleitores.
RM tem vindo a afirmar-se como independente, ou seja, como autarca sem filiação partidária, mas sem desenvolver um discurso estrito antipartidos. Desenvolveu um programa político e um movimento que, consciente das suas limitações, aceita o apoio dos partidos do centro democrático. No seu processo de recrutamento e seleção, RM deu espaço a vereadores destes três partidos e não deixou de nomear para diversas direções municipais elementos associados a estes partidos, segundo critérios que entende serem de mérito e competência, aproveitando aquilo que considera ser uma das qualidades dos partidos: um bom corpo de pessoas disponíveis para exercerem – bem – funções públicas. Na sua relação com os partidos traçou, em qualquer caso, algumas “linhas vermelhas”, sendo a mais relevante a de não permitir a captura do seu movimento pelo puro e estrito interesse partidário das forças a que se associa. Em 2013, RM rompeu com a linha de apoio de Rui Rio, que procurava capturar para si a vitória do movimento independente. E em 2017, pelas mesmas razões, assistimos a nova rutura, desta feita com o PS, que ansiava por uma série de lugares nas listas que lhe permitissem, a prazo, assumir o controlo da navegação e recuperar uma câmara que lhe foge há quatro mandatos consecutivos. Esta rutura teve por mero pretexto as declarações da secretária-geral adjunta, Ana Catarina Mendes; já havia sinais que apontavam para o desgaste, bastando recordar, entre outros, as declarações do eurodeputado socialista Manuel dos Santos e o nervosismo sentido na estrutura local do PS com a possibilidade de Manuel Pizarro ser relegado para o terceiro lugar nas listas.
A sobrevivência de um movimento independente é posta à prova nesses momentos em que os partidos tentam brincar aos cavalos de Troia. Uma candidatura como a de RM perderia toda a sua face no dia em que cedesse a esta característica indissociável do modus operandi dos partidos que tanto gera o descontentamento das populações.
E o PS pecou por não ter percebido – ou respeitado – isso.
Pecou, vai ter de penitenciar, vendo-se agora confrontado com a difícil tarefa de encontrar uma narrativa sólida e coerente para fazer frente a RM, com quem colaborou e coabitou durante estes anos – explicando porque é que o que servia já não serve, que não na mera discussão de lugares, que António Costa reduziu ao eufemismo da “dignidade partidária”.
Mas o mais importante a retirar de todo este “caso” é que os partidos, que acredito serem fundamentais na mediação entre cidadãos e exercício de poder, têm de saber conviver com lealdade com os movimentos independentes, cooperando ou combatendo-os na arena eleitoral, em função daquilo que sejam as suas escolhas. Mas compreendendo que, também na forma como se relacionam com os independentes, são escrutinados pelos cidadãos, que não estão zangados com os partidos, mas sim com as suas más práticas e obsessão pelo exercício do poder.
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