#SomosTodosMalucos


Estamos embrenhados em confusões e corremos em viagens internas que nos fazem ir e voltar. Mas cá entre nós, ficando ou voltando, a verdade é que, no fundo, somos todos malucos


“A diferença entre nós e os malucos é que eles estavam deste lado, passaram para o outro e nunca mais voltaram. Nós temos conseguido ir e voltar. Mas é preciso ter cuidado com as viagens porque, um dia, também lá podemos ficar.”

Juro que não me lembro onde é que ouvi isto ou quem disse esta frase. Só sei que nunca me esqueci destas palavras. A partir daqui, passei a respeitar mais a fragilidade emocional que nos toca a todos. Porque um dia podemos ir para o outro lado e não conseguir voltar. Brincamos com a ansiedade como se mal não nos fizesse. Enervamo-nos, mas deixamos estar “porque hoje apetece-me estar assim e todos nós temos dias maus”. Temos, sim, e temos direito a eles, como também merecemos os feriados, as folgas e as férias, mas acho que agimos como aqueles adolescentes irresponsáveis que não alcançam a irresponsabilidade das suas ações – procedemos como se nunca nada de mal nos pudesse acontecer.

Somos ingénuos ao ponto de pensarmos que nos levantamos sempre.

“Depois fumo um cigarro e já fico melhor.” “Amanhã saio um bocadinho e já me distraio.” “Quando tiver férias, logo descanso.” Achamos que o stresse, a ansiedade, o medo que acumulamos em pequenas situações do dia-a-dia não nos consomem a alma. Não nos apercebemos de que nos comem vivos. São micróbios invisíveis que corroem o corpo e o estar, apesar de não os vermos a olho nu.

Somos ingénuos ao ponto de pensarmos que nos levantamos sempre.

Defendo acirradamente que deveríamos encontrar um respeito maior pelo equilíbrio, mas não posso negar um facto… às vezes, o instável é tão atrativo. Para mim, já foi. Confesso que me habituei a brincar com os meus estados de alma e que acreditei, durante demasiado tempo, que a minha energia criativa nascia dessa instabilidade emocional. Andar na minha montanha-russa interna foi sempre emocionante – até há pouco tempo. Era quase dependente da sensação de me sentir cá em baixo porque sabia que a seguir ressurgiria mais forte, mais lúcida, cheia de novas máximas e de saltitantes ideias! Renascer era um hábito. Cair e levantar–me era viciante e, naturalmente, esgotante. Era esgotante ser eu. Nalguns dias, ainda o é – de tempos a tempos, dou por mim a suspirar fundo porque ser esta pessoa cansa.

Não vejam este texto como uma praga negativa – considero-me até a “Floribela” da positividade, onde por vezes tudo é demasiado florido e cor-de-rosa –, mas talvez o possamos ver como um lembrete. É isso. É preciso lembrar que não somos invencíveis. Que a nossa mente nem sempre se autorregenera. Que a agredimos demasiadas vezes por a acharmos imune ao que lhe fazemos. Ao que lhe dizemos. Ao que lhe comunicamos.

Apesar de procurar ter consciência desta fragilidade e de me tornar cada vez mais equilibrada, estou longe de ser a melhor aluna desta turma. E nestes últimos dias tenho estado mais ansiosa. Os motivos não são graves, mas é assim que me tenho sentido. O atraso do projeto mais importante para mim dos últimos tempos mais as mil outras justificações que encontro se me apetecer (somos profissionais a encontrá–las) e, claro, os obstáculos próprios que aparecem no caminho de quem se mete à estrada dão-me cabo dos nervos. Aquilo que mais prezo na vida (a minha paz interior) tem andado mexido. Durante estes dias, além de me aperceber do meu estado de espírito (é o primeiro passo a dar), não fiz grande coisa para melhorar. Aliás, todos os dias fiz exercício físico para aliviar a tensão, mas não foi o suficiente – não me tinha era apercebido disso.

Depois de alimentar a ilusão de que estava a dar o melhor de mim para me sentir bem, acabei por fazer aquilo que se faz quando não estamos em sintonia completa connosco: tentei que o exterior me desse aquilo de que eu precisava: “Talvez precise de passear mais; talvez precise de namorar mais; talvez precise de fazer mais; talvez precise…” – e debitei uma lista de coisas de que precisava (extensa e maçuda).

Precisar. Quando se precisa de algo, busca-se a resposta na carência. E na carência nada nasce. Só da abundância é que alguma coisa brota. Precisei então de perceber que não precisava de nada. E foi ele que me disse isso. Foi o Tiago, com a sua sensibilidade incrível, que me ajudou a ver o que hoje não estava a conseguir alcançar:

“Não precisas de precisar. Para e enche–te a ti mesma. Sem nada nem ninguém.”

Levantei-me do sofá e fui meditar. Já não o fazia há tanto tempo. Não sei porquê, mas estava resistente ao silêncio (são fases, não é?). Fui parar, fui respirar, fui ouvir-me. Custou-me tanto, no início. A mente acelerada, a respiração ofegante, a ansiedade em bruto. O medo de falhar a aparecer-me à frente, como se fosse uma bola de fogo.

“Não precisas de precisar.”

E agora estou a escrever-vos. Estou mais calma, com a minha música de fundo, a encarar o meu lado-sombra da melhor forma que posso. Bem sei que tenho a sorte gigante de ter ao meu lado alguém que me ajuda a expandir. Alguém que me elucida quando não estou a ser verdadeira comigo. Alguém que me ajuda a estar mais perto de mim. Adormeci com a convicção que me acompanha desde a meditação: o amor é expansão. O amor é expansão. E se tenho esta sorte comigo (é rico aquele que não sobe à montanha sozinho), acho que devo partilhar o que aprendi. Talvez sirva a alguém.

Tenho percebido que não é lá fora que se encontra a solução. Não é no movimento, na agitação. É na calma, no silêncio, no interior. Se assim acharem (o que é para mim não tem de ser para os outros), é na meditação também.

O trabalho da paz é constante. Espero não voltar a esquecer-me disso. Dizer-vos ajuda-me a relembrar. Porque é preciso saber que um dia podemos ir para o outro lado e não conseguirmos voltar. De qualquer forma, ninguém é totalmente estável nem equilibrado. Estamos embrenhados em confusões e corremos em viagens internas que nos fazem ir e voltar. Mas cá entre nós, ficando ou voltando, a verdade é que, no fundo, somos todos malucos.

 

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