O “Maduro” de São Bento


O que passa pela cabeça da pessoa que se fez eleger pelo parlamento, contra os votos, para se recusar a responder aos deputados dessa câmara sobre as contas que o governo lhe deve?


Sob o argumento da protecção do regular funcionamento das instituições, volta e meia, presidentes eleitos pelo PS experimentam intervenções radicais nas soluções políticas periódicas tal como sufragadas nas urnas pelos portugueses – aqueles, porventura cada vez menos, que se dão ao trabalho de ir votar.

Interessa pouco ou nada que na última delas, afinal, o crime de lesa- -pátria fosse tão-só, por exemplo, que sua eminência tivesse acordado “farto do Santana”, como as biografias recentes vieram, entretanto, esclarecer.

Menos ainda que os enfados desse senhor presidente nos tivessem trazido (contra os votos expressos e a maioria parlamentar) o arquitecto (ou, in casu, o engenheiro) do futuro resgate da nação e de um dos mais fascinantes enredos jurídico policiais da história de Portugal, cujos próximos capítulos estão ainda no prelo.

Serve esta primeira nota para evidenciar o transversal desprezo que a oligarquia do PS (a quem pretendem que o país deva servir cegamente) tem pela vontade popular e o fascínio incontido pelo poder, venha ele como vier.

Bem como para atentarmos em que, a espaços, há Presidentes que, muito para além de distribuir afectos, comendas e visitas que ninguém pediu, bem ou mal, fazem intervenções na vida pública e política usando o normal funcionamento das instituições como o argumento habilitante.

Para o que ora interessa, e no presente, não podendo contar com o Presidente transacto nem com os votos da maioria dos portugueses, algum PS ensaiou uma novel solução de maioria parlamentar de derrotados – a qual concorreu separada às eleições – e que professava (parece que cada vez menos) programas de governo, que levou ao escrutínio dos seus (entretanto dispensáveis) eleitores, e que eram profundamente incompatíveis entre si.

A legitimação desta solução constitucional, que invocou ex post a legitimidade do parlamento saído das eleições para aprovar uma solução contrária àquela que os eleitores foram chamados a votar, baseia–se na matriz parlamentar e semipresidencialista do nosso sistema constitucional, onde o parlamento deve sustentar o governo e, portanto, também fiscalizá-lo e receber contas da sua actuação.

Resulta, pois, daqui, não a óbvia fraude eleitoral que o PCP e o BE praticaram relativamente às suas linhas programáticas levadas aos votos dos seus eleitores, mas sim que este governo (mais que qualquer outro) deveria, consequentemente, ter acrescido respeito pela referida câmara, já que é a única (e já não os seus eleitores maioritários) que sustenta o projecto de poder do primeiro-ministro.

É, pois, com estupefacção (mas sem grande surpresa, atenta a patente absorção por osmose das matrizes totalitárias dos parceiros de coligação) que se assistiu ao mais recente de vários arremedos do primeiro-ministro, insuflados de prosápia e desprezo institucional, nas respostas que não deu, e nas que deu, sobre as nomeações para o Conselho de Finanças Públicas e o Banco de Portugal.

O que passa pela cabeça da pessoa que se fez eleger pelo parlamento, contra os votos, para se recusar a responder aos deputados dessa câmara sobre as contas que o governo lhe deve?

Uma explicação pode bem ser a própria natureza dos cargos de Teodora Cardoso e Carlos Costa, que são inamovíveis das suas funções, por muito que os governantes, eleitos ou não, discordem das suas actuações e legitimidade.

Só este género de explicação (plena de absurdo delirante) é compatível com a lógica intrínseca que presidiu à ideia de que não tendo, alegadamente, Carlos Costa ou Teodora Cardoso pedido explicações sobre os vetos às nomeações, o senhor primeiro-ministro, porventura porque também não foi eleito, e os seus eleitores derrotados não lhe pediram explicações pelo “poucochinho” desempenho, também não terá (igualmente) de dar explicações ao parlamento.

Eventualmente nesta nova concepção “madurista” do Estado (que é aclamada, por omissão, pelo BE e PCP, que nada dizem sobre estes tiques totalitários de Costa, e já agora, nem de Maduro), o primeiro- -ministro entende que, não tendo sido eleito para o cargo, o seu escrutínio se tornou insindicável pelo parlamento e, portanto, só aceita discuti-lo entre iguais, como os inamovíveis Carlos Costa e Teodora Cardoso… e, portanto, se estes nada lhe perguntam, ninguém tem nada com isso!

Abençoadamente temos o tal sistema semipresidencialista, que o PS interpreta a seu gosto, como vimos, mas que permite ao Presidente da República a fiscalização dos actos do governo.

Aconteceu, porém, que mesmo sem uma constituinte como a que Maduro reclama, tivemos na semana passada um episódio da nossa revolução bolivariana e, curiosamente, estando a Constituição ainda em vigor, a verdade é que o omnipresente Marcelo ficou e se mantém inexplicavelmente calado, quieto e ausente… quando finalmente, e desta vez, devia ter falado sobre os equilíbrios do sistema e o respeito institucional que costumava leccionar…!

Foi, também, neste cenário de absurdo galopante que se conheceu o relatório dos “sábios” sobre a reestruturação da dívida, que em vez das medidas de prometida (e salvífica) reestruturação radical antes apregoadas e levadas a votos, nos expõe apenas e só o conformismo derrotado e triste dos signatários… numa evidência de que o socialismo revolucionário, por essas bandas, terá morrido!

Mas mais: cem anos depois das aparições de Fátima, onde foi confiado aos pastorinhos o segredo da morte do comunismo, outra vez, cá pelo burgo, o que se tornou verdadeiramente notável foi o facto de a esquerda radical (menos, porventura, Isabel Moreira, Fernanda Câncio e o outro) ter acordado dar tolerância de ponto às efemérides que celebram a antiga profecia do seu próprio enterro. Talvez seja profético…

Advogado na norma8advogados

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