A vida tem um custo


Não me posso queixar da vida que tenho. Profissionalmente abriu-me horizontes infinitos, levou-me aos quatro cantos do mundo, deu-me a conhecer pessoas novas e histórias de vida que, em última análise, enriqueceram a minha.


Em Washington, onde estou e uma das cidades que mais me encantam, voltei a aperceber-me de que, apesar de não me poder queixar, a vida que escolhi tem um custo acrescido. Às vezes esquecemo-nos. Eu esqueci-me por momentos, e hoje ainda me arrependo e vivo com os efeitos colaterais disso.

Este mês é o mais importante do ano para mim: as minhas filhas fazem anos. Eu também, mas isso tornou-se cada vez mais irrelevante à medida que os dígitos se foram amontoando. Este ano, este mês, vai ser porventura o mais duro desde que optei pela vida que tenho. Só vou estar perto delas uma semana, a semana dos seus anos. De resto, vou deambular entre os EUA, África e Espanha. Foi a vida que escolhi. Mas foi também a vida que me fez estar ausente no quinto aniversário de uma das minhas filhas e que foi, seguramente, um dos piores momentos da minha vida.

Ainda hoje não esqueço o inconformismo com que me perguntava: “Mas porque não estás nos meus anos, pai? Porque não disseste ao teu chefe que eram os meus anos?” Pura e simplesmente não compreendia e não se conformava. Hoje, volvidos três anos, não esqueceu. Pergunta sempre se vou estar. Aliás, sempre que se fala de aniversários, não escapa a acusação (inocente, claro está, mas sentida) de que faltei aos seus anos. Estava cego quando o fiz. Estava convencido de que era mais importante estar naquela reunião do que estar no aniversário da minha filha! Hoje, ainda pago em prestações o custo da ausência. Acreditem! Não compensa. De forma alguma e seja por que razão for. Foi importante ter lá estado? Sim, eventualmente consegui mais um objetivo, consolidei um pouco mais a minha carreira, mas o custo não compensou minimamente.

Desde então, nunca mais foi uma hipótese não estar. Aconteça o que acontecer, vou estar sempre presente. Este ano, não fosse a determinação com que assumi este compromisso, tudo se alinhava no sentido de não estar presente nos aniversários das duas. Nem pensar que isso iria acontecer. Nada e, sobretudo, ninguém é mais importante do que o aniversário das minhas filhas. Por isso, este ano, maio será um dos meses mais duros de que tenho memória. Mas vai valer a pena. Vai custar, mas não vai ser um custo. As horas nos aviões, as refeições de treta, os jet lags ou as noites maldormidas terão a maior recompensa possível: o inconfundível e interminável sorriso delas.

Não sou nada nem ninguém para dar conselhos, e muito menos lições de moral, mas isto posso dizer com propriedade: a vida tem um custo, mas somos nós que determinamos esse custo. Somos nós que decidimos o que queremos fazer dela. Somos nós que estabelecemos as nossas metas e os nossos objetivos e, claro, têm custos. Mas, acreditem, nenhuma meta, nenhum objetivo e nenhuma pessoa compensará a desilusão na voz e no rosto de uma criança.

Eu aprendi à minha custa a irresponsabilidade de uma decisão mal tomada. Achei por bem partilhá-la aqui apenas porque vejo que há cada vez mais gente a tomar decisões erradas e a imputar custos à vida que não terão a compensação desejada. Há cada vez mais pessoas com vidas aparentemente de sucesso e frustradas pelo vazio enorme da ausência de amor. E acreditem! É possível viver com menos sucesso profissional e com mais amor. Porquê? Porque a vida tem um custo e que nem sempre representa um investimento. Parabéns, filhas!

Escreve à quinta-feira