França: para pior já bastava Hollande


Os povos estão saturados dos partidos e dos políticos que pensam primeiro nos seus privilégios, como ficou outra vez demonstrado em França. Agora há que evitar a vitória da versão europeia e feminina de Trump e engolir o sapo Macron


A França elege domingo o seu novo Presidente. Existe uma altíssima probabilidade de o escolhido ser Emmanuel Macron (um neoliberal e financeiro em estado puro), apesar de não se ter assistido desta vez a uma enorme mobilização anti- -Le Pen, como sucedeu aquando do duelo entre o pai de Marine, Jean-Marie, e Jacques Chirac, que este ganhou esmagadoramente. As sondagens dão a Macron uma vantagem confortável, mas não indiscutível. Pode haver surpresas por causa das abstenções e de algumas transferências de voto da esquerda para a direita. A inexistência de uma mobilização geral contra Marine tem a ver com o perfil neoliberal de Macron, mas sobretudo com a circunstância política objetiva de a Frente Nacional (FN) ter passado a ser em França uma força política real, distribuída pelo território, e não um mero movimento populista, como alguns pretendem fazer crer. Nada disso. A FN está sedimentada transversalmente na sociedade, abrangendo gente de direita, de esquerda e até, absurdamente, imigrantes, o que a torna forte e influente. Ao crescimento da FN tem correspondido o desaparecimento das forças tradicionais do hexágono (para usar um sinónimo de França que deixa os seus nacionais embevecidos), como ficou patente na primeira volta destas presidenciais. O PS em França morreu de morte macaca com a prestação de Hollande, o mais ridículo presidente que o país alguma vez produziu, ultrapassando largamente uma bitola já muito alta estabelecida por outro cromo chamado Sarkozy, que ia rebentando com o que sobrava do gaullismo e da direita conservadora. Pauvre France! Após as presidenciais virão legislativas cheias de incógnitas. Nada depois delas será como dantes neste país essencial à Europa. A afirmação em França de Le Pen, Macron e Mélenchon (que, à boa maneira estalinista, pactua com a extrema-direita ao não dar indicação clara de voto na segunda volta, pelo menos até ontem), de Grillo em Itália, do Podemos em Espanha, do Bloco em Portugal, dos nacionalismos, da direita radical e dos neofascistas na Europa de leste e também na Alemanha, na Holanda, na Bélgica e em muitos outros sítios do mundo onde ainda se vota tem a ver com o descrédito quase total dos partidos das ideologias tradicionais, que mostraram ser sobretudo máquinas de privilégios dos seus membros e centros de negociatas. Mesmo que, depois das mudanças que percorrem as sociedades, tudo fique na mesma, como é muito provável que suceda em numerosos casos, o momento que vivemos é de sobressalto, enquanto a poeira e os velhos hábitos não assentarem. É que se há coisa que não muda é o comportamento do humano na política, que pressupõe, regra geral, a fome de poder, seja em democracia ou em ditadura. Veja-se o exemplo dos Estados Unidos. Trump, uma espécie de troglodita genuinamente americano que chegou inesperadamente à Casa Branca, já começou a pôr a viola no saco porque a realidade se lhe impõe. Os chineses são novamente amiguinhos. Putin voltou a ser o mau da fita. O muro na fronteira com o México não vai para a frente. Diminuem–se os impostos aos ricos, tirando apoios aos mais pobres. E, para manter a imagem de paladino de qualquer coisa, abre–se um conflito com o doido e torcionário da Coreia do Norte, fazendo inevitavelmente lembrar a estratégia que levou à invasão do Iraque decidida nos Açores. Trump começou a todo o gás a tentativa de controlar o mundo, mas cada dia que passa perde poder e respeitabilidade, o que o torna mais imprevisível e sinistro.

Como é evidente, os movimentos a que hoje assistimos no mundo ocidentalizado são pendulares e terão os seus contrários dentro de alguns anos, pelo menos nas sociedades que permanecerem democráticas. Já noutras paragens, os extremismos crescem sem parar e sem nada que os limite, sobretudo quando têm por base fundamentos religiosos islâmicos radicais. Não há hoje razões de otimismo quando se olha para o planeta. Vão existindo cantinhos de paz e prosperidade aqui e ali. Ainda que a globalização tenha trazido progresso e distribuição de riqueza, também é verdade que nas zonas tradicionalmente mais ricas se criam sistematicamente guetos de pobreza e de revolta. E é nessas bolsas marginalizadas que nascem e se desenvolvem movimentos radicais que atingem as sociedades democráticas. Que ninguém se engane: uma vitória de Macron (o sapo que os não radicais de direita terão de engolir) não vai mudar essa trajetória em França, porque ainda não é com ele que a Europa vai produzir um político de jeito e que nela acredite realmente. Mas antes ele do que a versão feminina e europeia de Trump. É que, para pior, já bastava Hollande, que mostrou ser uma verdadeira nulidade.

 

Jornalista