Liberdades e democracias


Em época de relembrar o 25 de Abril de 74 e o processo que ele abriu, ouvindo os discursos de circunstância, faz sentido lembrar que em Novembro de 2015, passavam, como passaram no ano antes para o 25 de Abril, 40 anos sobre o 25 de Novembro de1975.


Anteontem, como costumadamente, mas de novo em feriado, todos os partidos, sem excepção, se reclamaram outra vez democratas e saudaram a liberdade como se houvesse uma comunhão de princípio e fins que a todos pertencesse de forma igual. Importa não facilitar nem conceder!

É fundamental (nos tempos das pós-verdades) que se relembre, a cada 25 de Abril, que as liberdades – na perspectiva que hoje maioritariamente conhecemos e invocamos – não dispensam, como o fez a esquerda radical em 2015, que se reconheça o papel fundamental do movimento contra-revolucionário do 25 de Novembro contra a manobra hegemónica da esquerda totalitária, e que saiu gorada nessa data, abrindo o caminho para a consolidação do processo democrático onde estamos hoje e que é um pressuposto essencial do processo de democratização que se celebra.

É, pois, essa, a liberdade a que se chegou, a que resistiu e vingou do processo de síntese da revolução, e que nos permitiu a afirmação de uma democracia europeia e digna de integrar a CEE, e que venceu portanto a ideologia do PREC.

E era esta concepção de liberdade e democracia que excluía a extrema esquerda do arco governativo e foi esta liberdade que o PS, aparentemente, abjurou em 2015.

É bem verdade que na prática, se aceitarmos como manobra legítima a renúncia aos princípios estruturantes e matriciais como meio de atingir outros fins, o maquiavelismo táctico do Primeiro Ministro no seu projecto de poder, conseguiu na prática, e em 2016, junto da extrema-esquerda o que o 25 de Novembro de 75 não deixava sequer sonhar…
Isto porque não é de menos salientar que os derrotados do 25 de Novembro são os responsáveis pelo apoio a um governo e orçamento que são notáveis em políticas e resultados que afrontam intestinamente contra as suas respectivas matrizes, histórias e princípios.

E isso, em bom rigor, atento o desempenho prático e as políticas apoiadas, podia levar-nos a pensar que os referidos partidos que as apoiaram abraçaram, também, os ideais de liberdade das democracias europeias a que o longínquo 25 de Novembro de 75 os forçou a contragosto.

E que, portanto, a manobra de António Costa não traiu a matriz democrática do PS, e que o pragmatismo da sua actuação, superaria o desvalor da chamada dos partidos (supostamente) anti-sistema para a governação do país.

A verdade, porém, é que aquilo que separava os lados das barricadas em Novembro de 75, é, ainda hoje, uma questão fundamental sobre concepções de modelos económicos e sociais, e no fim da linha, de concepções e conceitos de liberdade e liberdades.

É pouco impressionante, nesta perspectiva, ainda que notável nas contradições substanciais e estruturais, que PCP e BE apoiem o menor investimento público da história da democracia (que elogiam mas não amam) ou que apelando à saída do Euro ainda assim façam cumprir aos Portugueses o alegado menor défice orçamental, também, dos últimos 40 e tal anos.

Isto porque, os mesmos recém chegados ao arco do poder, pesem as suas proezas neo-liberais, mantêm, nas poucas convicções que lhes restam e que Costa tratará de exaurir neste processo de instrumentalização a prazo, dúvidas (eufemísticas), entre tantos outros, na condenação dos campos de concentração na Chechénia, sobre a condenação da perseguição dos presos políticos em Angola, ou dúvidas sobre a bondade dos regimes que refere serem democracias em Cuba ou na Coreia do Norte ou na bondade das soluções da Venezuela de Chávez e Maduro e nas óbvias vantagens da revolução bolivariana que tão bons resultados tem demonstrado…

A extrema-esquerda moralista,  panfletária e da acção nas ruas reduziu-se ao colaboracionismo contemplativo, para salvar uma parte do que o 25 de Novembro não expurgara do sistema, e parece agora pouco mais que a sua sombra outrora majestática, e numa versão muito domesticada pela realidades.

À quarta década da revolução o pragmatismo sacrificou os princípios ao projecto, veremos se não terá um dia destes de sacrificar também as liberdades.