Sabe-se hoje que António Costa percebeu algumas semanas antes das legislativas que ficaria atrás da coligação PSD/CDS. Por isso, desencadeou logo contatos discretos e informais com o Bloco e o PCP que se aproximaram, constituindo um governo a que chamamos geringonça. Costa tinha condições únicas por já ter feito uma coligação de esquerda em Lisboa e por ter ligações familiares e históricas ao PCP e à extrema-esquerda.
Foi essa base, político-cultural, que lhe permitiu concretizar o que parecia impossível e construir um governo de esquerda que já validou dois orçamentos, enquanto apresenta resultados económicos que deixam boquiabertos observadores e especialistas de cá e de fora. Ao ponto de Portugal já ser apontado como um exemplo.
Em causa agora está perceber se a solução e a estabilidade governativa têm correspondência numa economia sólida ou se estamos perante uma festarola à moda de Sócrates que acabou num resgate dramático. Para já não parece. Com António Costa, Portugal inverteu o sinal da política austeritária e castradora que Passos Coelho impôs por via de Vítor Gaspar e que falhou redondamente, como previam os economistas mais esclarecidos, mesmo os do PSD e CDS. Íamos morrendo da cura. É verdade que foi fundamental para Costa a Europa ter percebido os erros recessivos da troika e estimulado políticas expansionistas, baseadas no aumento de rendimento e do consumo. De forma que é legítimo concluir que, se Passos tem conseguido manter-se, também ele teria encetado uma alteração económica no sentido daquela que vivemos, uma vez que as condições de base já o permitiriam interna e externamente.
Dito isto, a questão está no tamanho da dose. Há quem pense que a política governamental é excessiva nas reposições aparentes e, simultaneamente, exageradíssima no corte escondido da despesa e na aplicação de impostos indiretos (o caso dos combustíveis é um escândalo só possível num país anestesiado), o que introduziu uma austeridade sub-reptícia quase tão pesada como a de há uns anos. É em parte verdade. Mas também é uma realidade que a economia aqueceu (sobretudo por via do turismo, da eterna construção civil e das exportações) e que todos os indicadores apresentam melhorias sensíveis. Desde logo no desemprego, embora boa parte da descida possa ainda resultar de passagens à reforma, de gente abatida aos registos e de uma emigração que continua a existir, mas que os média agora silenciam. Outro sucesso surpreendente é o défice nos 2%, que ninguém conseguiu explicar cabalmente, mas que tem óbvia relação com gigantescos cortes escondidos e cativações. Já a dívida pública e privada continuam uma desgraça. Mas há um fator determinante para o clima positivo que vivemos: a paz social. Ao contrário do que sucedia com Passos e Portas ou até Sócrates, o país não é sistematicamente paralisado por greves políticas e geradoras de prejuízos. O PCP aí tem um papel decisivo de travão. A isso soma-se a saudável convivência do governo com o Presidente Marcelo e a circunstância de não se andar a afrontar permanentemente o Tribunal Constitucional.
Tudo isto não chegou, porém, para a mais benévola das empresas de notação, a canadiana DBRS, subir a nota negativa que nos é atribuída. Tal decisão tem de ser entendida como uma reserva face à fragilidade da estrutura da economia portuguesa, o que tende a dar crédito a certas dúvidas que Passos coloca, argumentando que deveríamos ter progredido de uma forma mais sustentada. Alguns analistas e o governo alimentam a expetativa legítima de que as avaliações da DBRS e das agências americanas sejam corrigidas positivamente até ao fim do ano, após Portugal sair formalmente do procedimento por défice excessivo. Se assim for, teremos para Costa e Centeno um triunfo com voltas à arena, cortes de orelhas e rabos e saída em ombros em direção às autárquicas e depois às legislativas.
Uma análise objetiva do quotidiano demonstra que Portugal está mais dinâmico. O grande problema situa-se agora no setor financeiro, precisamente aquele que Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque não souberam enfrentar e que tem custado muitos mil milhões aos contribuintes e aos depositantes e acionistas dos bancos. Faltam investimentos substanciais como a Autoeuropa. Hoje há melhorias, mas também fogo-de-vista e fragilidades óbvias. O governo excede-se em anúncios e fogachadas. Há progresso, mas estamos longe do desejável. Costa é um mago ou um ilusionista? Para o saber, o melhor é prudentemente fazer o balanço com base nos números e execução do primeiro orçamento a seguir às próximas legislativas, seja qual for o governo da altura. É que a experiência demonstra que é sempre nessa ocasião que se destapam buracos e se apresentam as grandes faturas. É a velha história de fazer as coisas más todas no princípio de um ciclo. Maquiavel é sempre atual.