O BE e a Venezuela: uma evolução a elogiar?


Há uma certa esquerda cuja suposta superioridade moral deriva muito mais das palavras do que dos atos, razão pela qual sempre teve dificuldade em lidar com a realidade e com a natureza das coisas – sobretudo quando estas contrariam as narrativas oficiais que justificam o progresso social nos regimes socialista. O caso da Venezuela é,…


Há uma certa esquerda cuja suposta superioridade moral deriva muito mais das palavras do que dos atos, razão pela qual sempre teve dificuldade em lidar com a realidade e com a natureza das coisas – sobretudo quando estas contrariam as narrativas oficiais que justificam o progresso social nos regimes socialista. O caso da Venezuela é, talvez, o mais recente exemplo. Em 2013, aquando da morte de Hugo Chávez, a Venezuela surgia na boca do Partido de Esquerda Europeia como um exemplo da democracia para a Europa: “enquanto que na Europa a democracia está a falhar, na Venezuela a democracia participativa tornou-se num sinal de identidade”, diziam-nos.

Hoje, em face do caos que as televisões portuguesas começam a reportar, estranha-se que por cá nunca tenhamos assistido à promoção das figuras venezuelanas ao estilo “Luaty Beirão”, reflexos dos espasmos esquerdistas de revolta. Nem a detenção, em 2014, do líder da oposição, foi suficiente para preencher os exigentes critérios do BE. Leopoldo Lopéz parece não preencher os mínimos olímpicos das cartilha revolucionária para suscitar indignações à esquerda. Tão pouco terá tido heroicidade suficiente para ter espaço mediático, uma vez que não lhe foi dada a oportunidade de aparecer nas televisões portuguesas a dar explicações e entrevistas sobre os contornos do regime Venezuela.

Na narrativa do BE, Lopéz, até à sua prisão, era apenas o líder de uma fação da oposição Venezuelana, ligada aos EUA, que apostava num golpe de Estado lento, segundo as técnicas do manual de Gene Sharp. Afinal, a Venezuela chavista, cobiçada pelas suas reservas petrolíferas, sempre fora alvo de tentativas externas de desestabilização e de campanhas mediáticas hostis. Para o “esquerda.net”, em 2014, a democracia venezuelana estava ameaçada “pelos golpistas de sempres”. Um ano mais tarde o Pravda bloquista, não fossemos ser intoxicados pela propaganda ocidental, explicava-nos que “os principais meios de comunicação norte americanos, espanhóis, e os da direita latino-americana, trabalhavam arduamente para marcar a agenda informativa sobre a Venezuela com o objetivo de sedimentar a ideia de que estávamos perante um “Estado falido””.

Vergado pela brutal realidade dos factos que nos têm chegado a casa todos os dias, felizmente, o BE começa a aproximar-se timidamente das visões outrora sedimentadas pelos imperialistas e pela direita. Não poderia ser de outra forma, aliás, num partido que agora se senta no lugar do arco do poder e que, progressivamente, se tem vindo a institucionalizar como partido do sistema. O volte-face bloquista manifestou-se em maio de 2016, numa opinião no JN de uma deputada do BE onde, num texto recheado de vacuidades, procurava estabelecer as diferenças entre a Venezuela e Angola, a propósito – como não podia deixar de ser – do “caso Luaty Beirão”. Timidamente, a deputada Mortágua admitia “erros” na democracia da Venezuela, que se havia degradado, sem, contudo, nos precisar quais. Ficamos sem saber se os “erros” a que o BE se refere dizem respeito aos portugueses perseguidos na Venezuela – muitos deles espoliados dos seus pequenos negócios, nacionalizados ou até roubados à força de milícias populares por ordem do regime -, aos jornalistas que não conseguem exercer a sua função, ao Parlamento que viu suspensos os seus poderes por decisão Presidencial ou à incapacidade de realizar eleições, perante um Maduro que pretende pela via constitucional manter-se indefinidamente no Poder. A pergunta que o BE também não nos responde é: porque razão o nosso Parlamento só serve para montar o folclore de alguns, em vez de defender, como se impõe, a liberdade e os direitos de todos os nossos cidadãos no exterior?

Tentando fugir entre os pingos da chuva, a semana passada assistimos, sem que isso tenha sido dissecado na nossa imprensa, à capitulação silenciosa do BE, que cinicamente confirmou o voto de “condenação e preocupação”, no Parlamento, da situação que se vive na Venezuela, deixando o PCP, que votou contra, numa posição vergonhosa e isolada. Se o voto no Parlamento esteve finalmente do lado certo, alguns corações bloquistas continuam a bater do lado errado: em Paris, a eurodeputada Marisa Matias não hesitou em “grandolar” lado a lado e a pedido do candidato francês, Jean-Luc Mélenchon, derrotado na primeira volta das eleições presidenciais, que persiste em afirmar que o único problema da Venezuela é a queda do preço do petróleo e que propõe a adesão francesa à Aliança Bolivariana, à qual pertence o regime de Maduro. O tempo nos dirá se o voto do BE foi consistente ou se, como diz o ditado, até um relógio parado nos dá a hora certa duas vezes ao dia.

 

Blogger. Escreve à terça-feira  


O BE e a Venezuela: uma evolução a elogiar?


Há uma certa esquerda cuja suposta superioridade moral deriva muito mais das palavras do que dos atos, razão pela qual sempre teve dificuldade em lidar com a realidade e com a natureza das coisas – sobretudo quando estas contrariam as narrativas oficiais que justificam o progresso social nos regimes socialista. O caso da Venezuela é,…


Há uma certa esquerda cuja suposta superioridade moral deriva muito mais das palavras do que dos atos, razão pela qual sempre teve dificuldade em lidar com a realidade e com a natureza das coisas – sobretudo quando estas contrariam as narrativas oficiais que justificam o progresso social nos regimes socialista. O caso da Venezuela é, talvez, o mais recente exemplo. Em 2013, aquando da morte de Hugo Chávez, a Venezuela surgia na boca do Partido de Esquerda Europeia como um exemplo da democracia para a Europa: “enquanto que na Europa a democracia está a falhar, na Venezuela a democracia participativa tornou-se num sinal de identidade”, diziam-nos.

Hoje, em face do caos que as televisões portuguesas começam a reportar, estranha-se que por cá nunca tenhamos assistido à promoção das figuras venezuelanas ao estilo “Luaty Beirão”, reflexos dos espasmos esquerdistas de revolta. Nem a detenção, em 2014, do líder da oposição, foi suficiente para preencher os exigentes critérios do BE. Leopoldo Lopéz parece não preencher os mínimos olímpicos das cartilha revolucionária para suscitar indignações à esquerda. Tão pouco terá tido heroicidade suficiente para ter espaço mediático, uma vez que não lhe foi dada a oportunidade de aparecer nas televisões portuguesas a dar explicações e entrevistas sobre os contornos do regime Venezuela.

Na narrativa do BE, Lopéz, até à sua prisão, era apenas o líder de uma fação da oposição Venezuelana, ligada aos EUA, que apostava num golpe de Estado lento, segundo as técnicas do manual de Gene Sharp. Afinal, a Venezuela chavista, cobiçada pelas suas reservas petrolíferas, sempre fora alvo de tentativas externas de desestabilização e de campanhas mediáticas hostis. Para o “esquerda.net”, em 2014, a democracia venezuelana estava ameaçada “pelos golpistas de sempres”. Um ano mais tarde o Pravda bloquista, não fossemos ser intoxicados pela propaganda ocidental, explicava-nos que “os principais meios de comunicação norte americanos, espanhóis, e os da direita latino-americana, trabalhavam arduamente para marcar a agenda informativa sobre a Venezuela com o objetivo de sedimentar a ideia de que estávamos perante um “Estado falido””.

Vergado pela brutal realidade dos factos que nos têm chegado a casa todos os dias, felizmente, o BE começa a aproximar-se timidamente das visões outrora sedimentadas pelos imperialistas e pela direita. Não poderia ser de outra forma, aliás, num partido que agora se senta no lugar do arco do poder e que, progressivamente, se tem vindo a institucionalizar como partido do sistema. O volte-face bloquista manifestou-se em maio de 2016, numa opinião no JN de uma deputada do BE onde, num texto recheado de vacuidades, procurava estabelecer as diferenças entre a Venezuela e Angola, a propósito – como não podia deixar de ser – do “caso Luaty Beirão”. Timidamente, a deputada Mortágua admitia “erros” na democracia da Venezuela, que se havia degradado, sem, contudo, nos precisar quais. Ficamos sem saber se os “erros” a que o BE se refere dizem respeito aos portugueses perseguidos na Venezuela – muitos deles espoliados dos seus pequenos negócios, nacionalizados ou até roubados à força de milícias populares por ordem do regime -, aos jornalistas que não conseguem exercer a sua função, ao Parlamento que viu suspensos os seus poderes por decisão Presidencial ou à incapacidade de realizar eleições, perante um Maduro que pretende pela via constitucional manter-se indefinidamente no Poder. A pergunta que o BE também não nos responde é: porque razão o nosso Parlamento só serve para montar o folclore de alguns, em vez de defender, como se impõe, a liberdade e os direitos de todos os nossos cidadãos no exterior?

Tentando fugir entre os pingos da chuva, a semana passada assistimos, sem que isso tenha sido dissecado na nossa imprensa, à capitulação silenciosa do BE, que cinicamente confirmou o voto de “condenação e preocupação”, no Parlamento, da situação que se vive na Venezuela, deixando o PCP, que votou contra, numa posição vergonhosa e isolada. Se o voto no Parlamento esteve finalmente do lado certo, alguns corações bloquistas continuam a bater do lado errado: em Paris, a eurodeputada Marisa Matias não hesitou em “grandolar” lado a lado e a pedido do candidato francês, Jean-Luc Mélenchon, derrotado na primeira volta das eleições presidenciais, que persiste em afirmar que o único problema da Venezuela é a queda do preço do petróleo e que propõe a adesão francesa à Aliança Bolivariana, à qual pertence o regime de Maduro. O tempo nos dirá se o voto do BE foi consistente ou se, como diz o ditado, até um relógio parado nos dá a hora certa duas vezes ao dia.

 

Blogger. Escreve à terça-feira