1. Celebra-se hoje o feriado que assinala a conquista da liberdade pelos portugueses, após décadas de vivência em regime autoritário. Pelo facto de se encontrar a ler o presente artigo, o(a) caríssimo(a) leitor(a) já está a prestar uma grande homenagem à liberdade e à democracia: o “i” é porventura o jornal mais livre, independente e democrático no panorama jornalístico português actual.
2. Livre, porque não há actos de censura, de dissuasão intelectual cobarde ou subserviência ao pensamento único ditado pelo politicamente correcto. Independente, porque não é controlado por qualquer elite política, económica ou financeira, não devendo fretes a ninguém: depende, apenas, do trabalho dedicado e patriótico dos seus (incansáveis) jornalistas. Democrático, porque o único compromisso do “i” é com o leitor e a leitora, abarcando jornalistas e comentadores de todos os quadrantes político-ideológicos. Publicar, pois, o presente artigo neste dia e neste jornal é um enorme privilégio e o nosso modesto tributo à liberdade.
3. Liberdade. Note-se que nos referimos à liberdade (valor que reputamos crucial e imanente à organização do Estado) e não a essa abstracção que é o “espírito do 25 de Abril”. Esta última expressão não passa de um “cliché” desprovido de qualquer conteúdo: saber o que é o “ espírito do 25 de Abril” é quase tão complexo e indecifrável como aferir qual é, afinal, o programa político do Governo da geringonça. Será que o espírito do 25 de Abril é a concepção comunista da ditadura do proletariado? É a visão representada historicamente pelo “companheiro Vasco” cuja “muralha de aço” quase ia transformando Portugal num “país de palha d’aço”? Ninguém sabe…
4. O que sabemos é que, volvidos quarenta e três anos, no essencial, o regime político português continua a prestar uma bonita homenagem a António de Oliveira Salazar. De facto, a influência do líder do Estado Novo nas regras, nas práticas e nos costumes políticos portugueses mantém-se bem evidente. Senão, vejamos:
1)A Constituição de 1976 tem, na sua estrutura e no seu conteúdo, uma influência preponderante da Constituição de 1933, o que se explica pela formação jurídica da larga maioria dos seus autores materiais: as personalidades que redigiram os preceitos constitucionais eram discípulos de Professores de Direito Constitucional eméritos do “Estado Novo”, designadamente do próprio Professor Marcello Caetano. Ora, até hoje (25 de Abril de 2017, quarenta e três anos depois!), as forças políticas persistem na sua intransigência de não adaptar a Lei Fundamental às exigências dos tempos hodiernos;
2) A ideia dos “direitos sociais” e da configuração do “Estado assistencialista” – pelo menos na teoria – têm origem no Estado Novo, sendo tributárias da concepção de Oliveira Salazar da caridade cristã, que, atendendo à natureza do regime, deveria ser (também ela) absorvida pelo Estado. No fundo, os “direitos sociais”, a garantia de prestações mínimas do Estado aos seus nacionais (que não cidadãos) constituía uma “moeda de troca” pela liberdade individual dos portugueses: o Estado salazarista garantia o “pão”, os portugueses retribuíam com a sua “adesão” ao regime e “resignação”. Ainda hoje, culturalmente, os portugueses preferem o certo ao incerto; a segurança do Estado à insegurança da liberdade; a conformação com o “poucochinho” do que se tem – do que a ambição de pensar maior e no maior e melhor daquilo que se poderá ter;
3) A desvalorização da liberdade de pensamento, de expressão e de criação. Salazar criou uma polícia repressiva da divergência de opinião, da racionalidade crítica e do escrutínio atento e independente às acções governamentais – já o regime saído do 25 de Abril criou formas de pressão inorgânicas, difusas tão ou mais eficazes para dissuadir os portugueses de exercer um controlo activo e efectivo sobre o desempenho dos políticos. Persiste ainda hoje, em 2017 (como é possível?), o medo dos portugueses publicarem um texto de opinião, criticarem um certo político, participarem num evento específico, apenas porque tal pode acarretar consequências negativas no seu emprego, redundar numa perseguição administrativa ou fiscal, na exclusão de um determinado círculo social, na rejeição de uma bolsa do Estado ou de um subsídio económico – enfim, o Estado utiliza os seus poderes de intervenção na economia e na sociedade como “moeda de troca” para coarctar a liberdade de cada português. À boa maneira salazarista.
Escreve à terça-feira