Ser amado pode ser uma grande dor de cabeça. Obriga-nos a ter a responsabilidade de correspondermos a esse amor (e como é duro corresponder às expetativas) e ainda carregamos o peso terrível de não querermos magoar aqueles que gostam da nossa pessoa e que o fazem mesmo nos dias em que nem nós mesmos nos suportamos. Como à segunda-feira de manhã.
O amor é o nosso ponto forte, mas também é o nosso ponto fraco.
Lembro-me que o meu humor era “decidido” consoante o humor deles. Lembro-me de rir mais alto se os olhos da minha mãe estivessem mais húmidos. Lembro-me de usar, propositadamente, palavras positivas se o ambiente estivesse mais pesado. Lembro-me de chorar à noite, abafando o choro na almofada, para que as minhas irmãs não me ouvissem. Lembro-me até de dar uma opinião que não era a minha porque outra seria dececionante. Lembro-me de dizer que estava tudo bem porque o “tudo mal” era demasiado preocupante. Lembro-me de controlar as minhas emoções em prol da paz familiar. Ainda hoje faço isso. Quem não faz? Não sei se fazemos bem ou não (certamente fazemos mal) mas, por mais espontâneos e verdadeiros que sejamos, não conseguimos evitar controlar o mundo ao nosso redor – dizemos que o fazemos por amor, apesar de cada vez mais achar que o fazemos sobretudo por medo. E, durante uma vida inteira, medimos tantas vezes as palavras, ponderamos os gestos, controlamos as emoções, tudo para não magoarmos outros corações.
Porque o nosso dói mais se o deles doer… Mas assim é o amor.
Todos nós guardamos algumas dores. Alguns segredos. Escondemos, inclusive, algumas fragilidades (por exemplo, o meu namorado nunca me viu estacionar um carro. Acho que a nossa relação não precisa disso) e há quem esconda dores maiores dos seus. É uma escolha. Conheço pais que já esconderam a sua doença dos filhos e filhos que já o fizeram pelos pais. Ou talvez o tenham feito por si, porque não aguentariam vê-los sofrer. O amor também é tão egoísta, às vezes.
Estamos sempre a subestimar a coragem dos outros. Estamos tão assustados por assustar que preferimos congelar, bloquear esse momento: “prontinho, se não te conto nada, não sofres”. Esgotamo-nos em truques para evitarmos que sofram, como se os pudéssemos proteger. E começamos desde cedo: não dizemos à criança que o cão morreu e preferimos convencê-la de que o cão viajou para o espaço com a namorada (e o miúdo já tem nove anos); debitamos a tanga “o problema não és tu, sou eu”, mesmo que o problema seja efetivamente o facto de ele ser um parvalhão; ou não dizemos à nossa avó que temos cancro porque achamos que ela não aguenta – desconsiderando a capacidade de superação daquela mulher, que se tornou assertiva e independente mesmo que o mundo de homens onde nasceu lhe tivesse gritado que isso não poderia ser.
Na verdade, fugimos constantemente da dor e afastamo-la de quem amamos para que ela não os esmague. Esquecemo-nos de que uma vida sem sentir antagonismos e incompatibilidades é uma vida sem respostas. Porque, às vezes, a solução está na confusão. Porque, às vezes, sentirmo-nos uma merda é a melhor coisinha que nos pode acontecer.
Num dia destes, uma pessoa minha amiga chorava à minha frente que nem uma perdida. Eu sorria ao vê–la chorar, enquanto ela se assoava muito estranhamente, numa confusão de lágrimas e ranho – o cliché de quem está partida por amor. E eu continuava a sorrir. Depois de ela me chamar sádica e de me odiar um bocadinho, achei por bem explicar-lhe que estava feliz por a ver sentir tanto, tão entregue ao amor, mesmo que isso significasse que lhe estava a doer muito. Ela recuperou. Recuperamos sempre. É um instinto nosso sairmos melhor depois da dor. E sei que essa dor a transformou em alguma coisa melhor que ela há de conhecer no futuro.
O problema de se ser amado é que nos tornamos malabaristas, contorcionistas e tudo e mais alguma coisa para nos mantermos sãos. E, principalmente, para mantermos a salvo quem amamos. Mas assim é o amor.
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