No Observador do dia 14 de Abril passado, a Professora Maria Filomena Mónica, declarou-se, por confessadamente seduzida pela mesma, em estado de polémica com a matéria dos artigos do Pe Portocarrero de Almada, que lhe respondeu.
A envergadura intelectual, incluindo a publicada, da Ilustre Autora (descontadas as derivas autobiográficas) prometia. Por isso li com redobrada atenção a prometida polémica da resposta ao Pe Portocarrero, e aos reparos que este lhe havia feito nas notas ao artigo “Afinal a minha mãe tinha razão”.
Confesso a minha desilusão. O tema tinha em abstracto substância para polemizar, mas salvo melhor opinião, a Sr.ª Professora – que percorreu sem génio os clássicos lugares comuns – ficou muito aquém do que seria de esperar para uma mulher da ciência de cá e de “lá de fora”.
Entre vários que expendeu, refutou a Sr.ª Professora contra a ideia do pe PA de que quem não tenha conhecimentos teológicos e jurídicos, terá dificuldade em “meter a foice em seara alheia” (acrescentaria eu com propriedade), porque segundo professa (a Sr.ª Professora) esta seria uma concepção aristocrática e obsoleta, já que, além do Papa, dos cardeais e dos sacerdotes, a igreja também inclui os fiéis.
É difícil de perceber a linha de argumentação trilhada entre a liberdade de expressão e a estratificação da Igreja Católica, como legitimação do direito a falar (com propriedade) sobre o que, confessadamente, de seguida se refere não se ser capaz de distinguir.
Mais se reflecte sobre se, uma cientista social – por muito que seja agradável a polémica – veria como razoável e sério, para entrada de discussão, atacar-se a obra, por exemplo, de Max Weber, com base nas opiniões de uma Calvinista da sua paróquia, que sabe nada sobre o essencial da sociologia que ataca, mas tem boas relações e um argumento circunstancial e não provado?
Note-se, ainda e antes, sobre as hierarquias sociais e o conhecimento do direito, que o facto da Constituição da República Portuguesa proclamar a igualdade entre todos os cidadãos e estabelecer uma hierarquia dos representantes do Estado, incluindo os que não são democratas e os outros “dissidentes”, que tal existência e factos, também, em nada contribuem para que o mediano cidadão, ou no caso concreto a Insigne Professora Universitária, conheça – como admite – a diferença entre a nulidade e a anulabilidade, e seus regimes, pelo que o argumento é, anuiremos, pelo menos impreciso.
Neste contexto, mesmo para efeitos de polemizar, será de duvidosa honestidade intelectual que a Autora se confesse porventura incapaz de distinguir a diferença entre “anulações” e “declarações de nulidade”, mesmo tendo feito um percurso académico longo, sólido e subsidiado pelo Estado laico – conceitos que não diferem de forma relevante do direito comum para o direito canónico – e venha encontrar a culpa da sua incapacidade de distinguir, não numa qualquer incapacidade sua, mas antes na posição do Vaticano no que diz respeito às mulheres e na alegada misoginia do mesmo que lhes nega tais conhecimentos.
Porventura a Autora não lhe reconhece a relevância cientifica e dogmática da sociologia, mas não ignorará, certamente, que o direito canónico e a teologia são objecto de estudos seculares e que disponibilizam licenciaturas e doutoramentos (os quais, tanto quanto julgo saber, não estão vedados a senhoras) e que são frequentáveis por todos, tal como a sociologia que esta invoca como elemento fundamental para “abrir as portas da percepção” do mundo.
É que, contrariamente ao que o texto parece mistificar, nem todos os Papas, cardeais e sacerdotes tal como muitos leigos serão versados em direito canónico. E é em sede desse direito canónico e do tribunal eclesiástico com juristas, e já não nos chás da acção católica, que se julgam as “anulações” e as “nulidades” dos casamentos católicos.
Não será, aliás, muito diferente do que se passa no direito civil (onde os casamentos também podem ser anulados ou declarados nulos), e em que, pese a grande desjudicialização de procedimentos, continua a ser aconselhável a intervenção de um advogado, e é obrigatória, pelo menos, a intervenção de um licenciado em Direito, o Conservador, e se pagam custas e/ou emolumentos, por vezes avultados.
Doutra sorte, e para podermos ajuizar da especialidade invocada pela polemista para a anulação dos casamentos católicos, não seria pior analisar também sobre as possibilidades financeiras das pessoas que nos últimos 100 anos (até à generalização do apoio judiciário) intentaram acções de divórcio para dissolução de casamento civil, para ver se a justiça do Estado (laica e republicana) esteve, também ela, apenas e só ao serviço dos ricos ou se sociologia não terá uma explicação mais óbvia!.
Mais, a referência da Autora aos actos da inquisição – neste enquadramento da anulação dos casamentos e seus custos – está, se vemos bem, ao nível de indigência do restante argumentário, tanto mais que não há história, nem parece que a mãe lhe tenha dito, que os ricos ainda praticam por aí autos de fé… e portanto daqui ao Torquemada separam-nos alguns séculos e da inquisição às custas dos processos canónicos nem sequer se vislumbra um nexo.
Já sobre o estafado argumento dos fundos públicos para Igreja e o recorrente desejo de matriz jacobina de sindicar as suas contas, talvez possa relembrar-se a Sr.ª Professora que atenta a qualidade dos argumentos desta polémica, talvez não fosse pior também vir dar contas do que andou a fazer com toda a formação aqui e “lá fora” o Estado lhe vem pagando, quando nos apresenta um argumentário destes…
Louva-se, não obstante, a vontade de polémica, mas não conseguimos fugir à impressão de que atenta a qualidade dos argumentos usados e o fundo da questão, é aplicável o anglicismo de que a polemista “brought a knife to a gunfight” ou, se calhar, apenas praticou jacobinismo primário.
Advogado na norma8advogados
pf@norma8.pt
Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico
Escreve à quinta-feira