Tempo de autárquicas, guerras e intrigas políticas


Ao nível local escolhem-se os poderes que governam as autarquias e também as bases que, em boa parte, elegem as lideranças nacionais.


1) As próximas eleições autárquicas terão inevitavelmente uma leitura nacional que oportunamente será feita em termos globais nacionais, no que diz respeito a cada partido. Depois da consulta se verá, se analisará, e os aparelhos decidirão das consequências para cada agremiação, tanto ao nível macro como micro. Haverá tempo de sobra para falar e escrever sobre isso.

Nesta fase, a questão é outra. Os processos de constituição de listas para as vereações, assembleias municipais e freguesias decorrem e contam-se aos milhares. Dão lugar a guerras intestinas de toda a espécie que refletem ódios antigos e recentes, mas muito profundos, e que normalmente nada têm de ideológico. São guerra de influência e de poleiro. É a inevitável lógica de que o adversário está no partido da frente, mas o inimigo está no mesmo lado.

Nas próximas autárquicas, o quadro habitual agrava-se ainda mais. Isto porque desta vez se junta às guerras e traições do costume a novidade de certos delfins, que se candidataram em lugar de dinossauros impossibilitados legalmente de se reapresentarem, se recusarem a sair para dar a vez àqueles que os elevaram à condição de líderes locais. Outros atingem desta feita o número de mandatos possíveis e há guerras de sucessão que amanhã poderão converter-se noutros conflitos.

Situações de tensão desta ou daquela natureza, mas normalmente centradas no ego de cada um dos intervenientes, que se digladiam através dos seus núcleos de poder, multiplicam-se em todo o lado, independentemente do número de eleitores e da importância política ou económica do local. Estas noites de facas longas estão em todos os partidos, do maior ao mais pequeno, da esquerda à direita. Envolvem também independentes, notáveis ou caciques que ganham valor no mercado desta fruta da época. É preciso ter ainda em conta que é localmente que se travam as lutas políticas quase todas, e não só por causa de lugares autárquicos em câmaras, freguesias ou empresas municipais. Os deputados vêm de círculos e de regiões. Os dirigentes locais dos serviços públicos e alguns nacionais são nomeados por pressão dos aparelhos partidários deste ou daquele sítio, o mesmo acontecendo muitas vezes com os próprios membros do governo central, sobretudo secretários de Estado. É preciso ter consciência de que é na escala local que se decide e elege a maioria daqueles que amanhã decidem quem assume a liderança dos partidos e, por via deles, do país.

O poder local (assim designado por iniciativa do PPD de Sá Carneiro contra a vontade das forças que preferiam a designação de poder popular) foi em muitos casos um fator essencial de desenvolvimento e bem-estar. Há que o reconhecer e valorizar. Para o cidadão comum, sobretudo fora dos grandes centros, foram os autarcas que trouxeram o essencial do progresso como a água canalizada, o saneamento básico e infraestruturas de saúde e sociais.

Mas não é menos verdade que também deu lugar a desmandos e incompetências, à construção de redes de clientelas com teias duvidosas, à multiplicação e sobreposição de investimentos que se replicam a poucos quilómetros uns dos outros, acabando às vezes por não servir ninguém e por estarem ao abandono. Casos desses contam-se aos milhares, juntando-se muitos outros de todo o género, começando logo na política de solos e ordenamento do território.

Proximamente vão multiplicar-se ajustes de contas e intrigas, misturando-se verdades e mentiras, manipulações jornalísticas com trabalhos sérios, ataques e contra-ataques nas redes sociais que se prolongarão após as eleições. É altura de não dar por certo tudo o que se ouve e diz, sejam campanhas negativas ou positivas. É tempo de cada um pensar com a sua cabeça e usar o seu voto que, neste caso, até tem três boletins, o que permite não pôr tudo no mesmo saco e fazer escolhas minimamente esclarecidas em cada caso.

2) Domingo de Páscoa. Estação Fluvial de Belém. Muitos turistas à espera de cacilheiro para a Trafaria. Casas de banho convenientemente fechadas no ferry e na estação. Supostamente avariadas. Cadeiras imundas na zona de espera. Não há, na Transtejo ou lá o que é, quem tenha um mínimo de decência e de responsabilidades na higiene e conforto dos utilizadores/pagadores, a quem debitam bilhetes e impostos? Lisboa, entretanto, desfigura-se. Lojas iguais às de todo o mundo. Fast food e hamburguerias gourmet multiplicam-se. Abundam sushis e italianos. Ridículos pastéis de bacalhau com queijo da serra fazem furor. Vamos a caminho de ter figurantes pagos para fazerem de populares nos bairros supostamente típicos. Petiscos portugueses na cidade? Nada, ou quase. Para comer alguma coisa de jeito e de cá é preciso recuar para o meio da cidade ou para a periferia. Abundam chefes todos janotas, mas não fazem pipis. Faltam cozinheiros e cozinheiras. Faltam restaurantes galegos, beirões ou minhotos. Faltam alentejanos que não sejam armados ao pingarelho. Os turistas vão papar este número mais uns anos. Depois piram-se e nem o Tejo e as praias nos hão de valer. Pagaremos nós esta bolha que pode rebentar por muitos motivos, previsíveis ou não. Já cheira a futuras imparidades bancárias.

Jornalista