“Voir du Pays”, realizado por Delphine e Muriel Coulin, é um filme inquietante.
Numa primeira leitura, parece que se foca essencialmente na condição militar: nas relações de camaradagem, nas condutas individuais ante o inimigo e na disciplina castrense.
Mas não, o filme falando de tudo isso e mais ainda das relações entre homens e mulheres que integram um mesmo destacamento militar, fala de muito mais e suscita muitas outras perguntas.
Se falasse só daqueles aspetos, abordaria já, sem dúvida, uma temática interessante e atual.
O filme consegue transmitir, com efeito, toda a tensão que se condensa num grupo de pessoas sujeitas a uma disciplina rigorosa, numa envolvente e cultura próprias, que as diferenciam da sociedade, e em que a falha de uma delas é encarada, não apenas como uma deslealdade individual, mas, sobretudo, como uma derrota coletiva.
Essa tensão evidencia-se quando começam a ser reveladas, numa espécie de exercício catártico promovido pela hierarquia militar, os episódios duvidosos e dramáticos das ações de combate em que todos os elementos do grupo estiveram envolvidos e em que aconteceram mortes e feridos.
De qualquer maneira, não é essa temática que mais nos interpela.
O que de mais interessante o filme mostra é o “choque” dos soldados, saídos directamente de uma situação de guerra, quando confrontados com o decurso normal da vida civil, num cenário que parece ignorar por completo os seus riscos e esforço.
O filme mostra-nos, na verdade, como um destacamento militar francês, saído diretamente do Afeganistão, é conduzido a uma instância balnear de luxo em Chipre, para aí poder descansar, divertir-se um pouco e procurar reduzir o stress de guerra antes do regresso ao seu país.
É nesse cenário quase paradisíaco que os soldados, usando indumentária desportiva militar, quando não a farda, mas misturados com turistas que frequentam indiferentes a mesma unidade hoteleira, observam, com perturbação, como tudo continua a decorrer à margem dos perigos e da dor que a sua muito recente experiência os obrigou a sofrer.
Aí começam as perguntas: “Que estive eu a fazer no Afeganistão?”.
É esse confronto entre a vida que tinham deixado para trás antes da missão militar e que, afinal, parece seguir o curso normal e a excepção do que foi o tempo recente da sua intervenção em combate que os questiona e perturba, conduzindo, inclusive, alguns deles a atos de violência gratuita, que antecipam um futuro perigoso.
O filme mostra, contudo e apenas, a forma ordenada como um exército regular procura lidar civilizadamente com as emoções dos seus soldados antes de eles regressarem à “vida real” no seu país.
Mas o que acontecerá quando os Estados tiverem de lidar com nacionais seus que integraram grupos terroristas militarizados informais e que regressam depois de uma derrota em combate?
Todo o processo de desradicalização dessas pessoas não pode ignorar o facto de elas terem participado em experiências humanamente terríveis e centrar-se apenas na vertente ideológica da sua inicial opção.
O seu confronto com a vida quotidiana – que apesar de tudo parece continuar a correr com normalidade – pode conduzi-los a frustrações ainda mais graves do que as que originaram a sua radicalização e, por isso, a comportamentos mais desesperados, mesmo que, agora, apenas fúteis.
Ver e analisar este filme nesta perspetiva pode ajudar-nos a preparar um futuro que se avizinha rápido.
Jurista
Escreve à terça-feira