O filme realizado por Kleber Mendonça Filho conta-nos a história de Clara [Braga], jornalista, última moradora de uma área da cidade na qual uma sociedade de engenharia pretende construir o próximo arranha-céus do Recife. O enredo sobre a resistência de Clara a vender a sua casa de sempre secundariza a questão financeira, valorizando a dimensão humana da relação de alguém com o seu espaço, com as suas memórias e com o lugar que ocupa, daquele “sagaz exercício de um poder / tão firme e silencioso como só houve / no tempo mais antigo” – como escreveu Herberto Helder.
“Falemos de casas”.
A precarização das relações do trabalho nos países ditos ocidentais é um projecto político fortemente enraizado a partir do momento em que conseguiu firmar na consciência colectiva que não há empregos para toda a vida. Provavelmente num estado menos avançado, mas igualmente importante na construção de uma sociedade controlada e em que a esmagadora maioria das pessoas não viva de escolhas mas de dependências, é a precarização da relação com o espaço que se habita. A casa deve deixar de ser de cada um, para passar a ser um abrigo de transição.
A ideia que não há casas para toda a vida faz o seu caminho. Em Lisboa os novos (poucos) contratos de arrendamento raramente são feitos por mais de um ano.
Este neonomadismo é o que nos faz deixar de conhecer os vizinhos, e tantas vezes temê-los, é o que nos deixa isolados em contextos urbanos, é o que nos retira o direito de inscrição numa comunidade a partir do espaço em que habitamos, é o que nos dá menos condições para ter filhos. O espaço público deixa de ser o lugar de todos, de encontro e de partilha entre pessoas que se conhecem, para ser território de ninguém entre domínios privados.
As alterações estruturais que se fazem sentir no mercado laboral não são muito diferentes das que sucedem no mercado da habitação. Fazem parte do mesmo projecto político de sociedade.
Escreve à segunda-feira