Girls. Um final  contra tudo

Girls. Um final contra tudo


Como foi desde o primeiro episódio a série lançada por Lena Dunham há cinco anos, que chega este domingo ao seu último episódio. Pode até parecer mentira, mas chegou a hora de toda uma geração continuar a crescer sem elas


Uma casa de banho de azulejos brancos mais ou menos aleatória e é como se não houvesse outro cenário possível para a reunião que ficará como a última das “girls” de “Girls”. Jessa, Shoshanna, Marnie e Hannah numa reunião convocada por Marnie de emergência a interromper a festa de noivado de Shosh, que pelos vistos se vai casar e Hannah não sabia, que foi ao acaso que apareceu de jardineiras de grávida e Keds lá em casa para descobrir que havia uma festa para qual era a única não-convidada.

E uma reunião de quatro amigas numa casa de banho qualquer será o menos aqui, basta o que cada uma tem vestido para (finalmente) se perceber aquilo de que já se desconfiava há muito. Foi para lugares diferentes que cresceram as quatro amigas que talvez nunca o tenham sido e que foram sendo cada vez menos nesta transição para a idade adulta a que há cinco anos assistimos, ao longo de seis temporadas – momento em que percebemos que afinal era mais sobre isso do que sobre a amizade entre quatro miúdas a tentar sobreviver a si próprias e às suas vidas e à vida em Brooklyn esta série que em 2012 nos entrava pelas casas (ou pelos ecrãs dos iPhones) como uma espécie de “O Sexo e a Cidade” da geração millennial – o que só poderia querer dizer que da icónica série que tinha terminado oito anos antes, “Girls” não teria nada. Assim foi sempre e parece que será também no desfecho, que ficaremos a conhecer já no próximo domingo à noite, quando vai para o ar o décimo e último episódio da sexta temporada da série de Lena Dunham que, sabe-se já há mais de um ano, vai mesmo ficar por aqui.

Porque já “foi uma bênção a experiência de as pessoas terem mantido o interesse na série de forma mais ou menos fanática ao longo de quase cinco anos”, diria Lena Dunham à “Hollywood Reporter” no festival de Sundance no início do ano passado, altura em que anunciou que estava na hora de preparar o fim da série que a lançou. “Queríamos ter a certeza de que mantínhamos esse ímpeto vivo, não deixaríamos que desvanecesse com o tempo.” E se é certo que nada dura para sempre, será também que se era este o retrato de uma geração em luta para encontrar o seu lugar num mundo irreconhecível seria algures por esta chegada a uma espécie de vida adulta seria o momento perfeito para fechar o círculo.

 

Ou o círculo possível

Que de perfeito isto teve muito pouco. Porque Nova Iorque já não é Nova Iorque, é Brooklyn, e a vida já não é estourar cartões de crédito a comprar sapatos, é uma série de falhanços na busca do caminho certo, contar trocos e tropeçar em cocó de cão para um dia perceber que provavelmente nem todo ele era de cão. E Elijah a perguntar a Hannah se se lembra de quando se mudaram para aquela casa e de como tinham acordado ser os dois infelizes e ter uma vida miserável naquela cidade que apesar de tudo era a melhor do mundo porque isso fazia parte e estava tudo bem.

Sobre a cena da casa de banho, que termina com um assomo final de maturidade de Shoshanna a dizer que não vale a pena tentarem reconciliar-se – “não podemos continuar a fazer coisas juntas porque não conseguimos estar no mesmo espaço sem que uma de nós não transforme por completo esse momento em algo sobre si própria” –, rápido começaram a correr rumores de que será a última em que aparecem todas e juntas as quatro miúdas que fizeram a série-estandarte de uma geração que se reviu nela como em nenhuma outra.

Entra aqui a história de isto não ser nenhuma espécie de “O Sexo e a Cidade” em hipster e em Brooklyn mas o seu oposto. Uma casa de banho é uma casa de banho como uma casa de 15 metros quadrados será uma casa de 15 metros quadrados e mau sexo será mau sexo, não importa de que ângulo seja filmado. Como será normal a quantidade de vezes que ao longo de seis temporadas vimos Hannah nua se na vida real também nos despimos, apesar de por repetidamente Lena Dunham, juntamente com Judd Apatow e Jenni Konner, os produtores executivos da série, terem sido questionados sobre que razões havia para isso. “Não entendo o propósito de tanta nudez na série. A sua em particular”, disse uma vez o jornalista Tim Molloy, do painel da associação de críticos televisivos dirigindo-se a Dunham. “Sinto-me a ser apanhado por uma armadilha quando dizem que ninguém se queixa da nudez na ‘Guerra dos Tronos’, mas aí eu percebo por que o fazem. Querem que aquilo seja erótico, excitar as pessoas. Já a sua personagem [de Lena Dunham em ‘Girls’] surge frequentemente nua em situações aleatórias e por razão nenhuma.” Comentário que Apatow considerou “sexista, ofensivo e misógino” e ao qual a atriz, realizadora, argumentista e criadora da série respondeu apenas com um “percebo que não goste de mim, é um problema seu”.

 

Isto não é sobre amizade

Com esse propósito de mostrar a vida como ela é sem filtros e sem mais do que isso, “Girls” veio trazer uma nova linguagem ao formato televisivo, que nunca mais foi o mesmo, como ao que tudo indica o seu final, transmitido em Portugal às 3 da manhã da noite de domingo no TV Séries, em simultâneo com os Estados Unidos, virá quebrar todas as regras sobre como é suposto terminar uma comédia sobre amizade.

“Mesmo que o final sugira que Hannah, Shoshanna, Jessa e Marnie mantenham alguma espécie de contacto umas com as outras no futuro, isso não vai mudar o facto de ‘Girls’ ser, em última análise, sobre o que acontece quando as pessoas crescem e as suas redes do início da idade adulta começam a desfazer-se”, escrevia esta semana Jen Chaney na “Slate”. Argumento a que comparações com séries como “Friends”, “O Sexo e a Cidade” ou mesmo “Seinfeld” só darão mais força. “Girls” é “uma série sobre quatro jovens mulheres ligadas umas às outras que, eventualmente, se transformam em adultas completamente separadas, o que representa uma espécie de viragem à esquerda entre o panteão das comédias construídas em torno de grupos de amigos à procura do seu rumo em Nova Iorque.”