1) Um dos jogos mais populares junto do cidadão português menos endinheirado é a raspadinha pé-de-meia que, numa das suas versões, atribui ao contemplado uma espécie de pensão mensal de 1500 euros a receber durante dez anos. Nada mau.
É uma invenção que tem a vantagem de o súbito milionário não correr o risco de cair nos excessos que tanto perturbam o presidente do Eurogrupo que, entretanto, parece estar agarrado ao lugar como uma lapa à rocha, sem que alegados mulherengos bebedolas sulistas o tenham conseguido remover até agora, o que já configura uma humilhação política.
Alguns políticos praticam entretanto um jogo a que poderemos chamar escapadinhas pé-de-meia. Curiosamente, essas escapadinhas começam a seguir ao desempenho de um cargo governativo e são combinadas durante as funções, embora com o cuidado de não envolverem o exercício de administração direta de empresas do setor que tutelaram – uma chico-espertice a juntar a muitas outras.
A partir da saída do governo desenvolve-se uma enorme panóplia de atividades envoltas todas elas num manto misterioso, circulando pelo mundo fora, promovendo negócios novos ou preparados ab anteriori, alegando sempre que se tem em alta consideração o interesse nacional. Comovente!
Outros ex-políticos estabelecem-se supostamente como profissionais liberais, usando as suas ligações para promover e proporcionar negócios de toda a espécie e, por vezes, juntarem essa atividade à da intervenção na comunicação social enquanto comentadores, o que é excelente para a posição de facilitador.
Em certos casos, estes desempenhos exigem uma permanente ligação à política, à qual alguns aspiram regressar em lugares de topo, inebriados pelo exercício do poder que é, como se sabe, uma adicção grave.
Entenda-se que nada impede nem é ilegal os políticos, mesmo os que não tinham propriamente modo de vida antes de exercerem funções, passarem a ter uma atividade profissional, ainda que derivada dos contactos que estabeleceram. A questão é que a responsabilidade social e ética que se deve ter para ascender a um lugar político e para o exercer não pode nem deve pura e simplesmente desaparecer assim que se cessa funções. Existem algumas leis que regulam a atividade profissional dos políticos no regresso imediato ao ativo, mas conhecem-se casos demais em que as situações são contornadas. É importante ter consciência de que o escrutínio não acaba com a saída do governo ou de funções de Estado.
Na Alemanha, Schröder celebrizou-se pelos piores motivos. Apenas 15 dias depois ter deixado a chancelaria foi trabalhar para a empresa russa Gazprom, deixando meio mundo boquiaberto e escandalizado.
Mas, ao menos, esse não tenciona voltar à política. Entre nós há quem saia da política depois de uma derrota para dar um saltinho ao setor privado e tentar voltar depois, manobrando nos bastidores. É lícito ter uma vida profissional antes e desenvolvê-la a seguir a ocupar funções. É lícito, depois da política, fazer a sua vida e ganhar dinheiro com a experiência adquirida. Mas não é recomendável usar os contactos dos lugares que se ocupou para ir ganhar dinheiro com o óbvio propósito de amanhã voltar. Normalmente, não resulta. Escapadinhas pé-de-meia, não!
2) O ministro Vieira da Silva e Carlos Costa têm a obrigação de fiscalizar o Montepio na parte mutualista e na parte bancária, respetivamente. Costa, enquanto governador do Banco de Portugal, ainda mexeu qualquer coisinha. Vieira da Silva, tal como o seu antecessor do CDS, nada fez apesar de as fragilidades serem referidas há três anos. Claro que a culpa, em primeira linha, é de quem geriu mal a instituição. Mas há que reconhecer que o governante não está à altura das suas responsabilidades nesta matéria. No fim de semana chegou-se ao ridículo de aparecer uma notícia a explicar que a área mutualista não pôde passar a ser fiscalizada pela regulação dos seguros porque não é a mesma coisa. Pois não é! Elementar! E é exatamente por não ser que compete ao Ministério da Segurança Social esse escrutínio e dotar-se dos meios para tal. O ministro não parece perceber isso. Pior ainda, entende que o problema do Montepio se resolveria eventualmente com capital da Santa Casa. Seria mais loucura que, aparentemente, Santana Lopes não está disponível para aceitar. Vieira da Silva foi ministro da Economia de Sócrates e desse tempo não se regista nenhuma iniciativa especialmente positiva. Antes, atribuiu-se-lhe a autoria da reforma da Segurança Social, no tempo de Guterres, que foi pensada por Paulo Pedroso. Agora está a estudar novas mexidas no sistema de pensões. Será que está à altura de tão complexa tarefa e das implicações que ela tem no futuro das pessoas?
Jornalista