Esta terça-feira a primeira-ministra do Reino Unido, Teresa May, assinou a carta em que comunica ao Conselho Europeu, para efeitos do artigo 50.º do Tratado da União Europeia – também referido por Tratado de Lisboa – “decidir (…) retirar-se da União Europeia”.
Até daqui a dois anos, se nada desviante acontecer, o Reino Unido, membro fundador da CEE e potência incontornável a todos os títulos do continente europeu e do mundo global, estará fora da União, num processo que começou agora.
Não obstante, nesta mesma semana que passou, a Europa de uma maneira geral dedicou-se antes a “enterrar” um morto político, que depois de uma pesada derrota caseira dos sociais-democratas holandeses, a qual alguma imprensa reduziu a um, simples, inconseguimento da vitória pela direita populista e portanto uma vitória, ou não derrota, conseguiu a notável proeza do consenso dos grupos socialistas e populares europeus no pedido da sua remoção, e também da nossa “assembleia nacional” que em bloco, como antigamente, repudiou as palavras que dizem que ele disse, e clamou pela necessidade coisas em geral.
Não foi menos meigo o nosso primeiro-ministro, o também socialista António Costa, que tem, ainda assim, um percurso marcado por episódios singulares de solidariedade partidária e de similares desempenhos eleitorais, e que se permitiu acrescentar que o dito senhor foi, além do mais: “racista, xenófobo e sexista”.
António Costa, cujo fino recorte do trato e subtilezas de estilo que amiúde utiliza têm sido devidamente notadas e anotadas, insurgia-se desse modo contra as palavras do referido Djisselbloem.
Pouco lhe interessando (ou não) a ele, e aos outros, que as palavras usadas, que vão sendo difundidas em jeito de citação do próprio e entre aspas como (entre outras): “não podem gastar o dinheiro em copos e mulheres e logo depois pedir ajuda”, numa crítica direta aos países do sul, estejam, afinal, mais próximas de: “Eu não posso gastar todo o meu dinheiro em álcool e mulheres e depois vir pedir-vos ajuda”.
É provável que a crítica implícita que o presidente do Eurogrupo faz, neste exemplo hipotético e de registo semiautobiográfico, denote alguns (sensíveis, reconheço) toques de preconceito Luterano, mas não será certamente um desabrido ataque xenófobo e é, certamente, na sua versão mais próxima do original, menos virulento que alguns que o PM se permitiu, por exemplo, ao vencedor das eleições e chefe da oposição.
Ao mesmo tempo rumores da Europa, publicados em jornais britânicos, dão nota de que as conversações subsequentes ao acionamento do artigo 50.º pelo Reino Unido serão em francês o que a ser verdade é muito revelador da deriva europeia à data…
Fica, pois, neste enredo, a ideia de uma certa pós verdade e de uma querela útil (de cruzada contra os desviados do pensamento único e da vingança do establishment contra quem pensa e faz diferente).
Mas, porventura, pior, fica-nos a ideia de que com a Europa a começar nesta semana um possível princípio do seu fim e, portanto, no epicentro do seu momento mais negro, o que a intelligentsia nacional e europeia têm para nos oferecer para serenar as massas é esta fraca sequela do Panem et Circenses, numa atualizada versão para copos e “gajas”… O que é, note-se, francamente pouco e, atenta a indigência moral e intelectual que perpassam, um esboço do roteiro do nosso provável futuro desastre, nacional e europeu.