O primeiro dia do resto da sua vida


Ontem foi o primeiro dia do resto da vida da Europa. Que vida? Desconhece-se, não fazemos ideia e arriscar palpites é tão seguro como meter as fichas todas no vermelho (ou no preto) de uma mesa de roleta. Porquê? Porque os factos que se vão sucedendo a um ritmo incontrolável apontam para a imprevisibilidade do…


Desde o referendo no Reino Unido para a saída da UE, que a Europa vive num turbilhão que ninguém consegue controlar. A melhor analogia que consigo encontrar para a indeterminação dos nossos líderes é a de baratas tontas num quarto de hotel barato, quando se acende uma luz – correm aleatoriamente em busca de um buraco para se esconderem, sem nexo e sem estratégia.

Os sinais de desorientação sucedem-se em catadupa. Desde logo as eleições na Holanda com a ameaça da extrema-direita chegar ao poder, 70 anos depois de ter sido a causa do maior flagelo na Europa. Da mesma origem, as declarações, chamemos-lhes infelizes, do presidente do Eurogrupo alimentando clivagens entre os povos europeus – mais um sinal dos tempos negros da Europa do século passado. Pelo meio tivemos os atentados terroristas e com eles a agudização da intolerância e da xenofobia, valores estes também erradicados pela construção europeia.

Durante as próximas semanas vamos viver a histeria das eleições francesas e a possibilidade inimaginável de ter uma candidata radical de direita na pole position das presidenciais – no país mais fustigado pelo totalitarismo alemão do período Nazi.

A cereja no topo do bolo e, quem sabe, o início da desagregação europeia, foi o acionamento do artigo 50.º do Tratado de Lisboa, ao que se seguiu imediatamente a aprovação no Parlamento escocês do referendo para a saída do Reino Unido. Cenário mais dantesco seria difícil.

Perante tudo isto, os líderes europeus apenas se mostraram em dois momentos que classifico de insólitos ou, parafraseando o primeiro-ministro português, com uma resposta poucachinho para os reais problemas da Europa.
O primeiro foram as propostas de Juncker para o futuro da UE. Embora seja de louvar que se coloque o dedo na ferida, numa altura em que por toda a Europa os povos reclamam autoridade e firmeza espelhados nos resultados e avanços da extrema-direita (mesmo que confundam estes conceitos com demagogia e populismo), não me parece que este fosse o melhor momento para abrir tanto o leque dos possíveis caminhos para a Europa seguir. Discutir e debater o seu futuro sim, mas com o foco na união, solidariedade e prosperidade. Abrir portas a uma linha meramente mercantilista reduzindo a UE a um mercado comum, ou o recuo em várias áreas, como desenvolvimento regional, saúde, emprego e políticas sociais, não me parece, de todo, uma boa via. No atual estado das coisas aquilo que se impunha eram medidas firmes e convictas reafirmando os valores que nos trouxeram até aqui.

O segundo momento foram as comemorações dos 60 anos do Tratado de Roma. E aqui, nunca pensei dizer isto, concordo com o que disse Jerónimo de Sousa, foram mera propaganda para disfarçar os graves problemas que assolam a Europa. Embora curioso, estou mais receoso com o que o amanhã nos reserva.