A desconsideração pelos nossos melhores


Em 1943, Miguel Torga escrevia no seu diário (agora publicado pela D. Quixote) sobre um “problema da guerra de gerações” que se sentia na literatura portuguesa. 


 A crispação geracional a que Torga se referia então prendia-se com o entusiasmo reverencial em relação a escritores recentes e o desprezo por aqueles que o passar do tempo encanecera. Torga compara o fenómeno com aqueles animais que, depois de fecundados pelo companheiro, imediatamente o matam, como se o surgimento de novos escritores assassinasse, na memória social e coletiva, os de outros tempos. Se o desabafo de Torga parecia algo exótico ou despropositado, na semana passada, uma notícia da revista “Sábado” deu-lhe atualidade e alguma vida. É que Agustina Bessa-Luís, imagine-se, já não vende. 

Independentemente do significado desta tendência ao nível das preferências literárias dos portugueses, a mesma notícia referia que “A Sibila”, aquela que foi a obra que colocou Agustina no centro da ficção contemporânea, foi remetida pelo Estado, o nosso grande tutor, para os confins curriculares no secundário e é agora apenas “leitura sugerida” numa “cadeira opcional” de Literatura Portuguesa.

Pergunto-me se esta opção pedagógica do Estado terá sido devidamente ponderada ou se terá sido obra do mesmo “lapso informático” que, no início deste ano, elevou o romance “O Nosso Reino”, de Valter Hugo Mãe, para as recomendações do Plano Nacional de Leitura do 3.o ciclo. Seja como for, se já é lamentável que o Estado tenha uma opinião sobre o que a juventude do nosso país deve ou não ler, é particularmente grave que não considere essencial que do currículo de uma disciplina sobre a literatura lusa não conste o estudo obrigatório de “A Sibila”, o romance que, à margem de escolas e estilos literários, extravasa programas vanguardistas e reflete a realidade social, cultural e histórica portuguesa contemporânea e um pouco do nosso Portugal profundo e rural que hoje tantas apreensões gera por estar desertificado e esquecido. 

Se existe alguma utilidade neste dirigismo educativo e cultural, o Estado devia, por um lado e pelo menos, respeitar e preservar, na memória social e coletiva, o nosso património literário e, sobretudo, os senadores da história da nossa literatura; e, por outro lado, que seja orientado por uma pulsão patriótica para promover e estimular, junto dos mais novos, as obras daqueles que são verdadeiramente únicos, que são inconfundíveis e extraordinários, como é o caso da escrita de Agustina e, em particular, d’“A Sibila”.