1) Nos anos 80, quando Cavaco Silva chegou a primeiro-ministro, António Campos, um político inteligente, arguto e fundador do PS, vaticinou a um grupo de jornalistas que os socialistas ficariam arredados do governo por dez anos. Não se enganou. Segundo ele, a explicação não tinha só a ver com a capacidade de Cavaco, mas resultava sobretudo dos problemas da esquerda, que tinha ficado sem projeto depois de ter levado a cabo um difícil ciclo de austeridade.
Colocadas as coisas no devido tempo, a situação, hoje, não parece muito diferente, mas ao contrário. António Costa e a sua solução governativa aparentam estar para durar. A questão será saber se, futuramente, Costa consegue liderar sozinho, se continuará a precisar do Bloco e do PCP para governar ou se precisará apenas de um deles.
É evidente que, para Costa se manter, é necessário que não haja nenhum cataclismo político ou económico interno ou externo que altere a realidade, tornando irrealistas previsões baseadas no que é expetável hoje. Há um evidente quadro positivo, mas existem também fragilidades óbvias e inimigos venenosos, como a víbora que governa as finanças alemãs, que não perde uma oportunidade de pôr Portugal na berlinda.
A perspetiva de manutenção futura da solução que Costa e os seus aliados corporizam tem também muito a ver com a falência objetiva da alternativa que o PSD e o CDS deveriam representar. Desde logo, porque os sociais-democratas não renunciam à visão de direita neoliberal simplista que aplicaram no governo, mantendo-se adeptos de soluções de mera austeridade, sem verdadeira estratégia de crescimento. Passos Coelho insiste em manter o PSD encostado à direita e persiste em não ver a nova realidade e os progressos recentes. Essa postura ressabiada reflete-se nas sondagens desastrosas e gera uma desmotivação clara que se traduz em muitas escolhas pífias para as autárquicas de que é paradigma a de Lisboa, que Teresa Leal Coelho protagoniza. É uma candidatura de frete a um grande amigo, mas que amanhã pode perfeitamente transformar-se numa cadeira de sonho no Parlamento Europeu. A circunstância de Teresa Leal Coelho ter faltado a cerca de dois terços de centena e meia de reuniões municipais deveria tê-la conduzido a rejeitar candidatar-se e a ter-se demitido há muito de responsabilidades municipais. Foi, entretanto, patética a explicação dada por Pinto Luz, o líder da distrital do PSD em Lisboa, quando justificou as faltas da candidata com o trabalho no parlamento.
No caso do CDS, a questão é diferente. Assunção Cristas dedica-se a ela própria em primeiro lugar, criando uma área mais pessoal do que ideológica, personalizando o seu espaço, em vez de trazer ideias políticas substanciais. Anda à bolina. Percebe-se a estratégia: o CDS de Cristas quer fazer um percurso sozinho e de oportunidades para amanhã poder ser charneira à direita ou à esquerda. Primeiro, a tática; depois, os valores.
Substancialmente, hoje não se passa nada na direita e no centro-direita (não confundir com populismos que, por definição, não cabem na atual sociedade portuguesa), pelo que as suas perspetivas são limitadas eleitoralmente, havendo uma óbvia falência política por ausência de propostas e projetos que não resultem apenas de espírito de contradição.
2) Muito se tem falado dos dias em que ocorreu a resolução do BES. Assunção Cristas reconheceu que se limitou a dar o seu acordo solidário a um inexistente Conselho de Ministros feito por correio eletrónico e dirigido por Paulo Portas. Passos Coelho veio a público, mesmo assim, reafirmar que o assunto não foi com o seu governo, envolvendo só o Banco de Portugal. Lá nisso é coerente. Basta lembrar que, no dia em que foi anunciada a decisão, o então chefe de governo fez uma breve e tranquila aparição a dizer que estava tudo sob controlo. Foi na Manta Rota e ia a caminho da praia, de havaianas e toalha ao ombro, no seu primeiro dia de férias. O mesmo tipo de serenidade que às vezes dá raia foi visto, há dias, quando Vieira da Silva não se mostrou preocupado com a associação mutualista Montepio. O melhor era António Costa pensar em atuar rapidamente, começando talvez por remover o ministro que tutela a instituição e nada fez para evitar o que está à vista.
3) Ainda não foi desta vez que saiu uma acusação da Operação Marquês, através da qual se poderia realmente deslindar as muitas teias de cumplicidades criminosas criadas durante anos. Admitia-se um adiamento pequeno, mas o que foi anunciado remete para as calendas. A procuradora-geral parece já ter perdido o fio à meada. Era só o que nos faltava andar há 40 meses a correr uma investigação, ter tido um ex-primeiro-ministro preso dez meses e tudo isso dar em nada. Era só o que faltava, mas não é impossível. Além de se dissimularem muito bem, os polvos são muito inteligentes. Não é qualquer pescador que os apanha.
Jornalista